segunda-feira, dezembro 31, 2018





17º Encontro : Medos e contos !! 

As semanas corriam e nós continuávamos nossa rotina . Dos encontros na Academia, às conversas alongadas entre os exercícios. Os números do PSA no último exame melhoravam. Ficava muito mais animado. Agora estava com 15. E as quimioterapias continuavam . Passava incólume por elas, embora com os inconvenientes de sempre.
 Falamos dos medos e de pensamentos que assombram a mente das pessoas, que por razões de doenças ou de depressão sentem-se acuadas. Medo de ficar sozinho. Medo de ser um fardo. Medo de abandonar os filhos e os netos. O medo das histórias inacabadas. Hoje a palavra “câncer” não é mais sinônimo de morte. Mas ao ouvi-la pela primeira vez falta o chão. Ela evoca medos. Sombra, onde existia só claridade.
 “Para muitos pacientes, é a oportunidade de refletir sobre a própria vida, sobre o que se quer fazer dela. Sim, é possível que eu morra mais cedo que o previsto. Mas é possível que eu viva mais tempo também. Em todo o caso , agora vou viver a minha vida da melhor maneira possível. É a melhor maneira de me preparar para o que vai acontecer, para o que quer que tenha que acontecer.” (David S.Schreiber)
 Trocamos de pauta. Falamos sobre contos, crônicas e poesias. Agora era seu assunto preferido. Sempre tinha um aspecto interessante a contar ou uma referencia de algum instrutor do curso que valia a pena referir. Ai sem mais, nem menos, me veio ele com um texto, retirado da mochila, e me pediu para ler e opinar.  

O uniforme era o disfarce.

Francisco acordou neste dia antes que sua mãe o chamasse. A expectativa de participar pela primeira vez do desfile de Sete de Setembro fazia seu coração bater mais rápido. Correu os olhos em cima da cama para confirmar se seu uniforme estava ali. Viu a camisa branca, as meias e a calça azul marinho. E os sapatos? Eles tinham ido comprar num local chamado bric-brac.
 -Mãe! E os sapatos?
A mãe correu para a cozinha. Deu-se conta da tragédia. Colocou para secar no forno do fogão de lenha. Ficou ali.
Mãe solteira e empregada doméstica colocava todos seus ganhos para manter Francisco numa escola de irmãos lassalistas e sonhava vê-lo formado. O uniforme era o disfarce necessário para proteger o menino de qualquer discriminação.

Na cidade, os jovens vivenciavam estes dias como se fossem os únicos a desfrutar deste momento. Havia uma disputa entre as escolas, pela melhor apresentação nos desfiles. A preparação começava ainda em agosto. Ainda fazia muito frio e os ensaios eram organizados pela manhã. O alinhamento, o passo certo, a cabeça erguida, eram requisitos para ter uma marcha de grupo, como um pelotão militar, perfilados e sem correções.
Para Francisco, todo o dia ensaiava com sua turma, o dia chegou. O sapato retorcido pelo calor não permitia que seu pé se acomodasse no calçado, por mais que tentasse. Francisco começou a chorar. A mãe buscava alternativa. Outro sapato?. Mesmo com dinheiro, onde comprar naquela hora? Tinha que pensar e rápido. 

Prometeu que no nosso próximo encontro, traria o final da historia. Fiquei curioso e cobrei o restante do texto. Ele sorriu enigmático e disse-me que tivesse calma ...

Estava tomando gosto pela escrita e os aspectos mais críticos de sua doença pareciam ficar no seu subterrâneo interior, mergulhada entre água cristalina e as impurezas decorrentes dos pensamentos obscuros da moléstia.
Estes lances do meu amigo, às vezes cômico, por vezes taciturno, davam um inesperado tempero, para nossos encontros. Saíamos sempre na expectativa do que nos reservava o dia seguinte.

 

JT Brum 2018

 


segunda-feira, dezembro 24, 2018



16 º Encontro : Digressões sobre a doença ! 

A vida de meu amigo e seus exames de PSA comportava-se como uma gangorra. Depois de iniciar suas quimioterapias com um índice de PSA de 105 , agora começava a declinar. Já estava em 33 depois da quarta aplicação. Isto mostrava como a doença era sensível às drogas quimioterápicas e os resultados positivos logo apareciam.
Retornávamos nossos encontros na Academia e as seções de exercícios. A cada vinte e um dias, lá estava ele no Hospital para uma nova dose. As enfermeiras já o conheciam muito bem o que facilitava as aplicações. Um braço em cada vez, cuidando com isto a aplicação e a manutenção da qualidade das veias.
Os primeiros dois ou três dias após, eram de pequenos enjôos e indisposição. Depois disso já o encontrava na Academia, um pouco pálido e desgastado, mas animado com os resultados.
Seu oncologista na última consulta recomendou um estudo de DNA das células tumorais.Realizado com material da biopsia, retiradas quando do diagnostico. Um Instituto Americano especializado, fazia este exame. Neste laudo, além das características das células, vinha também uma descrição das drogas conhecidas, ao qual elas eram sensíveis. Isto poderia ajudar no tratamento e na escolha de futuras drogas.
Neste dia, fizemos várias digressões sobre o câncer e suas várias faces. Disse a ele que havíamos lido, todos nós temos um câncer dormindo em nós.Como todo o organismo vivo, nosso corpo fabrica células defeituosas permanentemente.E por isso nascem os tumores. Mas nosso corpo também é equipado com múltiplos mecanismos que permitem detectá-los e contê-los. No Ocidente , uma em quatro pessoas vai morrer de câncer, mas três em cada quatro não morrerão. Para estas, os mecanismos de defesa terão derrotado o câncer. Falamos sobre o livro do Anti Câncer do Dr. David Servan Schreiber e suas dissertações sobre o assunto.
Meu amigo comentou não existir até hoje nenhuma abordagem alternativa capaz de curar o câncer. No presente, é impensável pretender tratar a doença sem recorrer às excepcionais técnicas desenvolvidas pela medicina ocidental: cirurgia,quimioterapia, radioterapia, imunoterapia e logo a genética molecular. É igualmente absurdo remeter-se apenas a essas abordagens convencionais e negligenciar a capacidade natural do nosso corpo de se proteger contra os tumores, seja para prevenir contra os tumores, seja para prevenir a doença , seja para acompanhar os tratamentos.
Também ficou claro que há três pontos chaves a serem observados, no trato desta doença e sua prevenção: a importância do “terreno” , os efeitos da consciência e a sinergia das forças naturais. No caso da medicina ocidental , que trata de uma determinada doença com uma intervenção ou medicamento preciso, é maravilhosamente eficaz em situações de crise. Todos os dias ela salva vidas, através de uma operação de apendicite,ou a penicilina em uma pneumonia, etc. Mas ela revela rapidamente seus limites quando se trata de doenças crônicas. Por exemplo, um infarto... O paciente chega à beira da morte, pálido e o peito esmagado pela dor. A equipe médica guiada por anos de pesquisas de ponta, com milhares de pacientes, sabe exatamente o que fazer. Em menos de dez minutos o paciente respira normalmente,a vida daquele paciente foi salva, e ele é visto até sorrindo para os familiares. Contudo, além do sucesso maravilhoso desta intervenção, a doença propriamente dita, a obstrução progressiva por placas de colesterol das artérias coronárias, não foi tocada pelos médicos da emergência. Para evitá-las de maneira duradoura é preciso mudar o “terreno” : corrigir a alimentação,modificar a atitude mental e reforçar o organismo por meio de exercícios.
 Uma frase de um grande pesquisador francês René Dubos : “Sempre pensei que o único problema da medicina cientifica era o fato de ela não ser suficientemente cientifica. A medicina moderna só se tornará verdadeiramente cientifica quando os médicos e seus pacientes tiverem aprendido a tirar partido das forças do corpo e do espírito que agem através do poder de cura da natureza”.
Nosso corpo é um imenso sistema em equilíbrio, onde cada função está em interação com todas as demais. A modificação de um único desses elementos afeta necessariamente o conjunto. Cada um pode escolher por onde deseja começar: alimentação, atividade física, trabalho psicológico, ou qualquer outra abordagem que traga mais sentido e consciência a própria vida. O importante de tudo é alimentar o desejo de viver. Alguns farão participando de um coral, mergulhando em filmes cômicos, fazendo um diário ou escrevendo como fez meu amigo.
Ter consciência disso é realmente fundamental e prestar atenção aos sinais do corpo é essencial para quem deseja viver plenamente e por muito tempo. 

J T Brum 2018

 

 

segunda-feira, dezembro 17, 2018





15º Encontro  A opção pela Escrita !!

 

Como sempre encontrava meu amigo na Academia, alegre e cheio de animo. A perspectiva de começar na semana seguinte, um novo período de quimioterapia, não parecia abatê-lo.

 Ao contrário, ele encarava como parte do processo para debelar a doença e como os efeitos colaterais das quimios não era tão agressivo, ele suportava muito bem. Claro que tinha perdido o tônus muscular e a energia , mas tinha reciclado seus movimentos e exercícios, a sua capacidade atual. Suas corridas estavam restritas a trechos mais curtos.
Falamos de sua incursão pela escrita. Ele estava entusiasmado. Estava frequentando um curso de Escrita Literária, indicação de um amigo. Embora fosse incipiente e faltasse à vivência no trato com as palavras, sentia que existia um imenso caminho a percorrer entre seu patamar, as técnicas e conhecimentos da arte de usar as palavras. Era como se fossem pinceladas numa tela . A precisão de cada palavra no texto e o conjunto delas, fazia um texto palatável e atrativo. Aprender isto, possivelmente será a essência de escrever bem!! E o leitor reconhecia isto.
Outra faceta que está utilizando é o fato de servir a escrita como terapia. Tem lido a respeito e acha que está no caminho certo. A escrita tem benefícios inegáveis sobre muitos aspectos da nossa vida: alivia nossa angústia, nos ajuda a dar forma, entender e solucionar o que nos preocupa.
Escrever é uma forma de terapia. Às vezes me pergunto como conseguem escapar da loucura, da melancolia e do pânico, que são estados próprios da condição humana, os que não escrevem, não compõem e não pintam.”-Grahan Green-
Para mim, escrever é viver, conhecer, ser arqueólogo de si mesmo. “Escavar, e quando escavamos descobrimos dentro de nós o criminoso e o santo, o herói e o covarde”.-José Luis Sampedro-
Ele sentia-se muito melhor. A imaginação viajava. O convívio com os colegas do Curso e os desafios de cada aula o enchia de motivação e dedicação aos exercícios e testes propostos pelos Orientadores.
O fato de escrever e expor não só a mim como amigo, mas de publicar num blog suas emoções, angústias e alegrias, tinham a finalidade de mostrar um aspecto positivo, a todos e em especial a quem vive ou tem algum familiar, que passa por semelhante situação.
 A intenção de ajudar, é um pouco egoísta segundo ele, pois ele é o grande beneficiário do processo de escrita  e não nega o fato de sentir-se melhor e lisonjeado, com tantos que retribuem e manifestam sua solidariedade e votos de plena recuperação.
Quem visita os hospitais e salas de espera , muda a perspectiva sobre saúde e a fragilidade do nosso corpo, em relação às doenças. As defesas do nosso organismo são armas que estão a nosso serviço, mas quando falham , os efeitos são por vezes devastadores e precisam ser rapidamente diagnosticadas e recompostas. Ter saúde boa é um privilegio, que só nos damos conta, quando nos falta. Cuidar no dia a dia, com boa alimentação, exercícios e uma vida regrada, traz sempre os benefícios a longo prazo.
Eu e meu amigo estamos já há muitos anos na Academia. Quinze ou vinte anos atrás, não havia academias e quem caminhava diariamente era visto como um excêntrico. No entanto as necessidades de hoje são as mesmas do passado. Os próprios médicos, que antes não enfatizavam a necessidade de exercícios, hoje são exigentes para combater o sedentarismo.
O fato de meu amigo praticar exercícios, faz com que os efeitos colaterais das medicações sejam minorados e seu estado de animo muito melhor. Energiza seu organismo.
Pelo visto, neste fim de semana vai a praia, na casa dos parentes. Quem sabe até correr com as amigas e tomar uma água de coco , no quiosque. 

JT Brum 2018


terça-feira, dezembro 11, 2018




14º Encontro     Reveses à vista !

Encontrei meu amigo na Academia. Estava bem depois dos ias que passou em Montevidéu. Mas tinha que voltar a realidade. Os exames não deixavam dúvida: seu PSA subia geometricamente. Sua folga as quimios estava indo ladeira a baixo. Era disciplinado e sabia que os tratamentos funcionam bem em determinadas situações.
Comentamos sobre a situação o Uruguai e outros países da América Latina. Infelizmente muitas semelhanças, para pior. Voltamos aos nossos exercícios. Ele não parecia muito animado. Embora não sinta os efeitos dos exames recém feitos, . Tinha vontade de correr. Foi o que diz que faria no dia seguinte.  A endorfina era a vitamina que reforçava o seu ânimo.
O verão estava chegando. As corridas na praia lhe faziam muito bem. Tinha amigas vizinhas que o convidavam para correr cedinho. Sentia-se integrado ao pequeno grupo de corridas. Poucas vezes, com tanta ênfase confessou-me sua paixão por correr. Lembrou-me do livro que lhe dei . Já saboreou quase todo...
Nos próximos dias iria ao médico para confirmar quando iniciaria com as quimios. Certamente de 21 em 21 dias. Ele levava em torno de dez dias para se recuperar e ter sua imunidade restabelecida. Depois era aproveitar os dias restantes.
O médico confirmou a nova quimioterapia. Diferente da anterior : Cabasetaxel e um dia após uma injeção na barriga de Neuslatin. Segundo o médico ameniza os efeitos colaterais.
Tudo parecia voltar aos eixos. Já que não conseguia se desgarrar da doença, o negócio é seguir em frente levando-a a tiracolo na sua jornada. Segundo ele , sua família estava mais conformada. Tinham assimilado que era uma doença crônica , cujo tratamento é longo e permanente.
Alguns homens de fé têm conseguido a cura. Mas cada um tem suas contas para pagar e suas penitências para fazer. Meu amigo não se lamentava nem perdia o otimismo. Às vezes ficava sem aquele sorriso alegre, mas logo se recobrava.
Confessava que o segredo estava em encontrar uma nova perspectiva de vida. Uma nova forma e carregar suas dificuldades dentro das limitações que a situação permitia.
Achar algum hobby novo. Pintar. Cantar, ou escrever. Coisas que se fizessem sonhar de novo. Esta tentativa tinha que ser autentica, vir de dentro. Do âmago. Para produzir os efeitos desejados.
Dizia ele que mesmo estando ruim, poderia ficar muito pior. Então era aproveitar o momento! Sentia-se apaixonado pela vida.
Meu amigo , procurou na escrita uma forma de canalizar suas aspirações, sonhos e paixões. Mostrou-me uns textos.  Dei força. Disse que iria fazer um curso de Escrita Literária, para aperfeiçoar as técnicas da escrita e de imaginação criativa.
Dizia que para escrever , realmente há que se ter certo talento, mas que concentração e perseverança, são ingredientes essenciais , sem os quais nada se consegue. Ter ritmo e poder de concentração é fatores decisivos para escrever.
Mais um fim de semana chegando e a possibilidade de ir para a praia, na casa dos parentes, o deixava animado. Tomar sol. Correr com as amigas. Até uma cervejinha tomava...

JT Brum 2018


sábado, dezembro 01, 2018




Mensagem do amigo.

 

Recebi um cartão postal do meu amigo. Pela ilustração pude constatar que era de Montevidéu. Ele nem me avisou que iria viajar. Ou de férias ou a negócios. Quem sabe outra razão...

Apreciei pela lembrança e pela dedicatória :

Amigo de todas as horas, meu fiel escudeiro. Aqui em terras distantes, sinto falta dos nossos papos e dos teus conselhos , sempre tão pertinentes e confortadores .Com um abraço forte ...”

Ele andava meio misterioso nos últimos dias, não sei se pelo tratamento ou pela evolução da sua doença.

Tenho visto ele receber o apoio e a força dos amigos próximos e outros até distantes que acredito que ele acaba incorporando esta energia na ua vida.

Vou aguardar o seu retorno, acreditando que volte cheio de energias e muita saúde.

 

JTBrum 2018

segunda-feira, novembro 26, 2018




13º Encontro : Angústia antecipada !! 

A vida seguia seu rumo. Nada de novidades. Meu amigo parecia estar em paz com seu tratamento. Segundo os exames, o PSA neste fim de mês tinha atingido o menor nível,(0,58) e a perspectiva de fazer a última quimioterapia da série , o deixava muito feliz.
A esperança de aproveitar o calor e a vida normal deste fim de ano, abria novas portas para quem está há muitos meses, num regime severo de tratamento. A observação do médico era que, daria um tempo nas quimios e continuariam monitorando os níveis do PSA. A velocidade de aumento e o tempo decorrido, serviriam para avaliar o processo de estabilidade ou perda do controle.
Não havia o que fazer, como se cuidar, ou se preservar. Como meu amigo era assintomático (não tinha sintomas nem do PSA, nem das metástases, dores ou qualquer sintoma) seguia sua vida normal. Apenas os efeitos colaterais das quimios.
Boa alimentação, exercícios físicos dentro dos limites e cabeça boa, continuava ser o seu mantra, para enfrentar as dificuldades geradas pela doença.
Voltou a Florianópolis, no Ribeirão da Ilha. Contou-me ele, que na triagem , com tantas pessoas em piores situações, não foi possível ficar internado. Eram mais de duzentas pessoas, aguardando por uma oportunidade para ficar internado. Quarenta são escolhidos. Os demais fazem as terapias no sistema externo. Ia nos horários definidos e depois voltava para a pensão. Com isto pode aproveitar e fazer caminhadas, correr um pouco e descansar. Voltou na quinta feira à noite. Não era a mesma intensidade, mas era o possível naquelas condições.
Passados 60 dias do ultimo exame, o PSA foi de 1,5. Aparentemente normal, mas acendeu uma luz amarela de atenção, pois estava sem quimio e era normal que tivesse um aumento. A questão era, que curva seguiria este crescimento ou se estabilizaria?
Comecei a percebê-lo mais angustiado nos últimos dias. Sem a espontaneidade natural que o caracteriza. Embora não quisesse, parecia antever que os resultados dos exames não seriam tão alvissareiros. Procurei tranquilizar e colocar seu moral para cima. Ele ria desajeitado , querendo compensar a agonia que sentia , com piadas e brincadeiras. Segundo ele, a angústia é a sensação psicológica que se caracteriza pelo sufocamento, pelo peito apertado, ansiedade e falta de humor. De acordo com os que estudam esta questão, na filosofia, a angústia surge no momento que o homem percebe a sua condenação à liberdade, por isso se sente angustiado já que sabe que é o senhor do seu destino. E ele não tinha nenhum poder sobre o seu destino...
Segundo meu amigo, estas preocupações, afetavam seu sono, sua alimentação e seu humor....Com isto , todo o processo do seu metabolismo ficava afetado, num circulo vicioso, que o joga para baixo e impede de ver com clareza e isenção a realidade dos fatos. Ser portador de uma doença crônica, que não teria uma solução rápida e fácil.
Eu sabia que esta fortaleza toda, muitas vezes , deixaria a guarda aberta, permitindo que os vilões do espírito e das perturbações da alma, penetrassem no seu íntimo e numa reviravolta, instigassem sentimentos negativos adormecidos e nada promissores.
Ai que entra a fé e a oração. Quem tem espiritualidade e acredita num ser Superior não pode se abater, nem se permite prostrar-se numa submissão aos males do espírito.
Na nossa casa, sempre rezamos pelos amigos. E ele era um dos favoritos da lista, pois conhecíamos bem suas necessidades e tínhamos enorme afeição por ele. Meus filhos rezavam sem conhecê-lo, até quem um dia , o mais velho estava junto na academia, e resolvi apresentar meu amigo. Ele ficou surpreso, por certo imaginava um velho esquelético e com os dias contados. Tenho a certeza que suas orações a partir daí tornaram-se  mais fervorosas.

 

JT Brum 2018


segunda-feira, novembro 19, 2018



12º Encontro : O Caminho percorrido ...

Sempre que nos encontrávamos na academia era um motivo de satisfação. Dei um presente. Um livro de Haruki Murakami : “Do que eu falo quando falo em Corrida”.Meu amigo abriu o pacote e um largo sorriso, agradecido. Fiz uma dedicatória desejando três décadas de corridas e de saúde !!
 Fomos aos exercícios...
Lá pelas tantas, ele comentou dos resultados efetivos da quimioterapia, no seu PSA : de 8,6 em maio, para 0,58 agora em setembro. Era a quinta quimioterapia. A expectativa era de uma série de seis aplicações. Estava debilitado , mas satisfeito com os resultados.Ai me perguntou se lembrava , há quanto tempo esta lutando com esta doença? Não soube responder com precisão, nem tentei arriscar. Ele então me disse com certa euforia:
— Dois anos. Completei em junho.
Daí, começamos a recordar os primeiros momentos: da suspeita, até a confirmação da biopsia e exames complementares. O inicio do tratamento e os bons resultados no uso da medicação. Até que não funcionou mais e nova alternativa de médico. Opção por outra forma de tratar: quimioterapia.
 Os meses passam rápido, a vida também...
Estava ganhando tempo e isto é tudo que precisava nesta fase . A perspectiva de suspender as quimios, a partir de outubro enche meu amigo de expectativa . Terá um verão pela frente, bem diferente do inverno chuvoso e frio que passou, enfurnado em casa, sem muitas atividades, nem as caminhadas na rua.
Disse-lhe o médico que, sessenta dias após parar com o tratamento, cessam os efeitos no organismo e a regeneração das células começa a acontecer de forma gradativa Por isso seu entusiasmo, não só com o cabelo, a cor da pele, mas especialmente pela corrida, pelo qual era um apaixonado.
A propósito questionei sobre suas paixões e motivações. Ele pensou e elencou as que julgava mais significativas. Apaixonado pela vida, pela família e pelos amigos. Pela atividade física, em especial a corrida e o esporte. Apaixonado pelo Grêmio e alguma paixão secreta, deixada pelo caminho...
Motivação ? O trabalho e sua capacidade de se amoldar a novas situações. Quem tem comércio e tem que enfrentar diariamente, legislação, equipamentos, software , fluxo de caixa e recursos humanos. Fica como malabarista de circo, com os vários pratinhos girando e não podendo deixar cair nenhum.
Neste balanço que fizemos, no período de dois anos, recordamos de muitos amigos e conhecidos, que partiram em definitivo. Alguns colegas da academia, saudáveis e praticantes de esporte. Acidentes cardiovasculares e razões fulminantes. Outros motivados por doenças já adquiridas ao longo dos anos e que culminaram com o óbito. O que prova em definitivo que ninguém tem sua hora anunciada e só Ele dá e Ele tira, no momento certo. Perguntei-lhe também de outras lembranças marcantes que ficaram deste período de tratamento?
— Dos profissionais de Saúde, nos laboratórios, clinicas e hospitais. A gentileza e carinho com que atendem. Fica acima do profissionalismo, supera a expectativa dos pacientes, que como eu , busco seus serviços, na esperança de melhora e conforto.
Ele lembrou uma recepcionista de um Hospital, onde fazia as quimios. Sempre sorridente e prestativa. Dizia ela que, agradecia a Deus todos os dias antes de vir para o trabalho, por poder trabalhar na Área da Saúde . Ter contato e ajudar pessoas que vinham inicialmente para uma consulta, depois para exames e por decorrência, para tratamento. Ela acompanhava a todos, com a mesma e devotada atenção. As enfermeiras do Bloco do Câncer , quase uma dúzia, ele as conhecia pelo nome e elas vinham cumprimentá-lo, mesmo que não estivessem na escala, para atendê-lo. Isto amenizava o peso de seu fardo e todas tinham uma palavra de conforto , fé e esperança no resultado do tratamento.
Disse-me que estava na hora de voltar ao CAPC (Centro de Apoio ao Paciente com Câncer) no Ribeirão da Ilha, em Florianópolis. Tinha ligado e estava aguardando o agendamento. Era uma maneira de recarregar as baterias físicas e espirituais, que lhe faziam tanto bem.  

JT Brum 2018

 

 


segunda-feira, novembro 12, 2018




11º Encontro : Os sinais evidentes e intangíveis do tratamento. 

Quando meu amigo chegou na academia e não retirou o boné, suspeitei que algo não ia bem. Conversamos rapidamente e fomos ao local de alongamento. Ali ele despiu-se do boné. Mostrou a cabeça. Os cabelos caíram, em chumaços. Manchas irregulares. Pareciam que tinham sido arrancados, não cortados.
Contou-me que, nesta terceira quimioterapia, ao tomar banho, enquanto lavava a cabeça, sentiu os fios entre os dedos. Para ter certeza que a água havia retirado os que estavam por cair, continuou esfregando.... Só aumentava a quantidade de cabelos no ralo. Um choque.
Dizem que passados os efeitos do tratamento, os cabelos acabam voltando. Seu PSA tinha caído consideravelmente. Isto ajudava a manter o moral. Nada que os efeitos benéficos não justifiquem o susto. Ele como os demais mortais, submetidos a esta bomba química, estava sujeito aos efeitos colaterais. Não tinha como fugir disso.
Nestes dias, parou de correr com os colegas . Via-os saindo, mais preferia ir sozinho. Suas energias tinham sido absorvidas. O vigor se esvaiu, sobrava vontade e animo, mas faltava o essencial : força nas pernas e pulmão para aguentar o ritmo. Conseguia apenas correr um km e caminhar um.  Trotava, não corria com o mesmo ímpeto de antes. Uma decepção, mas era o necessário para manter a autoestima e mentalizar que, uma vez suspenso o tratamento, voltaria a correr , como no passado recente.
Mesmo os jogos de tênis acabaram-se. Nem treinos. A condição física deteriorava. Mantinha os exercícios da academia. Para quem era ativo como ele, a chama do gás diminuía , o calor e as endorfinas também. Não podia suportar a idéia de ficar ocioso, lendo jornal de pijama, ou fazendo pequenas caminhadas no jardim de casa.
Passados três dias das quimioterapias, já acordava e tomava café. Calçava os tênis para caminhar ou ir para a academia. Ele gostava disso. Parecia mantê-lo mais forte e vivo.
Uma colega da academia o viu passar correndo na Nilo Peçanha, perguntou-me de onde vinha esta vontade de correr e este astral para enfrentar a doença.
 Respondi: — Da cabeça boa e da fé em Deus. Ele é um otimista e isto vai ajudá-lo a vencer ou a sofrer menos, nesta sua luta diária.
Mas também havia máscara de forte, de auto-suficiente e otimista que usava nestas circunstâncias. Muitas vezes, me confessava sentir-se perdendo as esperanças e usando o sorriso, o positivismo e a superficialidade sobre a doença, como despiste, para não provocar na família, nem nos amigos a sensação de derrota e autopiedade.
 As limitações físicas e psicológicas que passava a enfrentar, com a tez da pele amarelada, a cabeça sem cabelos e as renúncias obrigatórias, o carimbavam definitivamente como portador de um câncer de próstata e cujo tratamento ainda seria longo e indefinido.
 Tudo o que fizesse , seria considerado superação, muito embora até então, ele não contasse com isto, para manter-se bem, apesar da idade, fisicamente saudável e com muitos planos para o futuro. Tudo é relativizado e carimbado com a pecha de idoso portador de doença crônica.
Isto o incomodava muito . Desprender-se do status de auto-suficiente, para compulsoriamente ser considerado quase um inválido pela sociedade, amigos e pela família. Ninguém dizia isto abertamente, mas nas entrelinhas, podia notar estas avaliações e até preocupações com seu estado de saúde. Antes ninguém se preocupava se estava resfriado, com tosse ou com dor no joelho. Hoje em dia, uma lupa indiscreta encima dele, pronta para expor qualquer suspeita de fragilidade ou fraqueza.
Estas divagações serviam de catarse para meu amigo e eu procurava reforçar naquilo que achava pertinente. Acabávamos os exercícios e continuávamos a bater papo, sempre muito animados e em alto astral. Até para mim tinha um valor especial, pois gozava de uma vida saudável, mas ninguém pode garantir uma permanente qualidade de vida e saúde. A prevenção e os exames periódicos são a chave do sucesso, nos dias de hoje. 

J T Brum 2018

 


segunda-feira, novembro 05, 2018

10º Encontro: Enfrentar a quimioterapia.





10º Encontro: Enfrentar a quimioterapia.


Mais uma semana de exercícios na Academia. Meu amigo disposto a enfrentar o monstro invisível da quimioterapia. Segundo ele, seu diálogo com o Oncologista anterior era uma preocupação que só existia na sua cabeça, pois os médicos estão acostumados com estas situações de desistência e desejou-lhe boa sorte.
Seu novo Oncologista, conforme havia combinado, prescreveu o tratamento e encaminhou o pedido ao Plano de Saúde. Isto o colocava na marca do pênalti. Devia estar pronto para enfrentar o processo, embora o médico dissesse que ele suportaria bem.
Aproveitou a consulta e deu detalhes do que é a quimioterapia, sua origem, tipos , indicações e aplicações. Disse ele que, a origem dela, vem do gás mostarda, usado nas duas guerras mundiais. Os médicos e pesquisadores estudando os efeitos, no organismo de soldados sobreviventes, passaram a tratar linfomas malignos. Desde então a quimioterapia vem sendo aplicada em diversos tipos de câncer, seja com o intuito paliativo, para melhorar a qualidade e prolongar de vida do paciente, ou curativa, com a finalidade de acabar definitivamente com o tumor (associado ou não à cirurgia e a outros tratamentos). Os efeitos colaterais relacionados à quimioterapia, surgem porque os compostos químicos destinados a atingir as células doentes, acabam alvejando também as células saudáveis, especialmente as renováveis como as do cabelo, unhas, aparelho digestivo e boca. Como estas se reabilitam dentro de um determinado tempo, pode-se repetir novamente um novo ciclo, respeitada a recuperação do paciente.
No mundo de medo e incertezas de quem descobre um câncer , é necessário reconquistar uma postura positiva e confiante. Isto seu médico enfatizou, com sendo um ponto alto, da sua atitude como paciente.
Quanto aos efeitos colaterais, disse que eram muito pessoais e dependiam de uma série de fatores, que com atenção iam ser acompanhados e minimizados com medicamentos.
Primeira quimioterapia marcada para dia 24/5, às 9 horas. Os dias que antecederam foram tensos e apreensivos. Ele sentia que enfrentava um fantasma invisível, uma doença imaterial , que não deixava vestígios , a não ser nos exames, especificamente no PSA (Antígeno Prostático Especifico). Como ele era assintomático, por um lado não sentia efeitos diretos da doença ,no entanto , convivia na escuridão dos cuidados e precauções.
No dia e hora marcados, lá estava ele , com sua esposa de acompanhante, para se submeter à primeira dosagem. A Sala de Espera, era uma pequena amostragem, do público que buscava este tipo de tratamento. Pessoas jovens, senhoras idosas, homens em cadeiras de rodas. Alguns usando boné, outras lenços na cabeça. Um ambiente sereno mas carregado de dor e sofrimento, demonstrado por parte dos acompanhantes. Ele não se sentia assim. Apenas ansioso. Assistia os pacientes saírem. Desconhecia as condições individuais. Imaginava no entanto, que ele sairia lépido e sem outras complicações.
Na sua vez, foi levado a uma saleta individual. Acomodado numa poltrona reclinável para puncionar sua veia. Ai uma sequência : soro, antialérgicos, corticoides e finalmente a medicação quimioterápica prescrita (Docetaxel). Tempo de aplicação de todo o processo de três a quatro horas. Periodicidade : 21/21 dias.
Terminado o processo, sentia-se como se tivesse de ressaca. Cabeça pesada e as pernas lentas. Era uma quarta feira e meu amigo ficou se restabelecendo até a próxima semana. Mas segunda feira lá estava ele, firme e querendo retomar os exercícios. Eu estava curioso para saber como tinha sido e ele me relatou o que acima descrevi. Quanto aos efeitos, ele sentia algum enjoo, mas nada que um Plasil não resolvesse. Diz que ficava se escutando, para sentir onde notaria alguma alteração. Tudo estava bem, sem complicações. Nesta semana não iria correr com o grupo. Tinha que se preservar, por enquanto. Recomendações do médico: Cuidado nos primeiros 10 dias, quando a imunidade fica mais baixa. Não frequentar locais aglomerados, nem se expor a temperaturas baixas. Sinalizar ao médico qualquer novidade ou efeito indesejado. Afinal era a primeira de uma série de no mínimo de seis a oito sessões.
Três dias antes de cada sessão deveria fazer um hemograma e um PSA, para avaliação da imunidade e do efeito a medicação no tratamento efetivo do câncer. Sua rotina parecia comprometida definitivamente, mas seu estado de animo não. Continuava confiante e positivo. Cabeça boa e exercícios físicos, era a chave do tratamento.
Tinha um caminho pela frente a percorrer, com muita fé e determinação, para vencer esta doença nefasta, que a tantos atinge , mas nem todos abate.  

J T Brum 2018

 

segunda-feira, outubro 29, 2018



9º Encontro : Aonde está a criança feliz que habitava aqui? 

O encontro na Academia  era todas as manhãs. Nas terças e quintas feiras meu amigo ia correr com o grupo de Corridas. Ai era só um papo rápido . Nos demais dias, tínhamos tempo para nossas conversas e considerações sobre o dia a dia.

Neste dia, ele manifestava a inquietação com o resultado dos exames e PSA. Depois de começar a tomar a nova medicação (Abiraterona) há alguns meses, os números não representavam melhora nos índices. Ao contrário, subiam a cada mês.
A família em polvorosa, buscava entender o que estava acontecendo, mas sem conhecimentos suficientes, sobre o que fazer e como proceder. O Oncologista de posse dos resultados e avaliando o período decorrido, sugeriu mudar para outro medicamento chamado de Enzoladamida.
Nestas alturas , os filhos buscando alternativas, marcaram uma consulta com outro oncologista. Um médico mais novo e mais afeito as novidades dos tratamentos , pesquisas e estudos da área de oncologia, especificamente de próstata.
Nesta consulta explicou ele: a troca de um medicamento por outro, não teria resultados, pois elas eram “primas” na sua composição. Além disso, como o tumor tinha características de agressividade (Gleason 8). Sugeria um tratamento também agressivo, para enfrentar o problema. O baixo volume de doença era uma vantagem a ser aproveitada. As metástases estavam concentradas nos ossos e com evolução controlada. O tratamento quimioterápico era o recomendado. Acreditava que o paciente suportaria bem o tratamento. Pelo seu estado físico e pelo astral apresentado.
 Saiu da consulta com mil questões. Não imaginava ter que enfrentar tão rapidamente, aquele monstro imaginário, representado pela quimioterapia e seus efeitos colaterais.
Tinha algumas questões a resolver. Voltar ao seu oncologista e dizer que não faria mais o tratamento com ele. Meu amigo tinha certo apego ao médico, pois havia uma empatia e cumplicidade com ele desde o inicio . Mas a família tinha razão: o tratamento não estava funcionando. E isto era o fundamental.
Nestes dias, ainda comentamos sobre sua experiência ao CAPC (Centro de Apoio ao Paciente com Câncer) em Florianópolis. Ele lembrava, que nestas reflexões e nas dinâmicas, surgia uma questão central, para a felicidade e paz interior dos participantes. Onde se perdeu a criança feliz que havia dentro de nós? Fazer esta busca e resgatar era nosso grande desafio. Em que momento começou a mudar, esquecê-lo ou esconder-se atrás de uma máscara ? Onde anda aquele menino ou menina que brincava alegre e sem preocupações?
 Fazer esta regressão é buscar na infância, adolescência ou na vida, onde nos perdemos. Cada um tem suas justificativas, para ter feito esta escolha, mas agora era o momento de resgatar e trazer à tona, tudo aquilo que nos fazia felizes e íntegros. Principalmente agora, para enfrentarmos as dificuldades de uma doença, ou para todos que buscam a felicidade, longe das máscaras impostas pela família, pela vida profissional ou pela sociedade, com seus estereótipos e padrões de comportamento.
A propósito me falou de um livro recomendado: “O cavaleiro preso na Armadura” de Robert Fisher, uma fábula para quem busca a Trilha da Verdade. Fiquei de comprar, para ler e buscar a minha verdade!
Ponderei a ele, que todos deveriam fazer este exercício salutar e as terapias têm esta finalidade. Até a pouco, se você falasse estar fazendo terapia, logo era taxado de desequilibrando ou com alguma debilidade mental.
Na próxima semana , meu amigo terá decisões importantes a tomar. Vai precisar ter fé, tranquilidade e acreditar que o melhor, ainda estava por vir. 

JT Brum 2018


segunda-feira, outubro 22, 2018



8° Encontro : A força das mãos. 

Nesta semana não encontrei meu amigo na academia. Devia estar viajando a passeio ou a negócios. Nada demais, afinal eram poucos dias. Só voltei a encontrá-lo na terça feira, da semana seguinte.
Estava entusiasmado e elétrico. Começou a falar e gesticular, como há muito não via. Questionei sobre seu sumiço . Abriu um largo sorriso . Começou a contar. Foi a Santa Catarina, Florianópolis , especificamente no Ribeirão da Ilha. Tinha agendado uma semana de tratamento no CAPC (Centro de Apoio ao Paciente com Câncer). Estava maravilhado . Falava com entusiasmo sobre a experiência vivida lá.
A filosofia deles é: “A alegria é a prerrogativa da alma alimentada pelo amor”. O Centro de Apoio é uma entidade filantrópica, todos os tratamentos são gratuitos. Sobrevive de doações. Os trabalhos são realizados por voluntários, médicos médiuns, enfermeiras, etc. que diuturnamente estão ali , aplicando as terapias, tais como cromoterapia, Reiki, massagem terapêutica, florais de Bach ,etc.
Ensinam que, mesmo estando doente, é possível retomar o equilíbrio emocional e espiritual. O paciente deve aprender a entender a mensagem do seu corpo , perceber que é preciso mais que tratamento médico. A recomendação é fazer o tratamento no CAPC em paralelo com as recomendações médicas, que deve ser prioritário.
Embora seja um Hospital Espírita, é ecumênico , não se presta a qualquer pratica religiosa ou espírita, na acepção da palavra. Ao contrário, diz nunca rezou tantos Pais Nosso, como na semana que esteve ali internado.
 Todo trabalho começa na segunda feira cedo, quando os inscritos passam por uma avaliação, no centro de triagem. Ali se apresentam mais de 250 pessoas doentes, oriundos das mais diversas localidades. Após criteriosa avaliação , exames dos diagnósticos individuais, são selecionados aqueles que ficarão internados e os que farão tratamento externo. Meu amigo, foi escolhido para ficar internado. Ficaria de terça a sábado, das 8hs até as 18. Iria dormir numa pousada.
Quando se apresenta pela manhã, recebe um crachá e um jaleco branco. Veste, depois de trocar de roupa , vai para um dormitório, com seis camas. Deita , aguarda pelas instruções. Uma luz tênue azul e ao som de uma música ambiente, deixa um clima propício para a reflexão. O silencio é uma imposição . Uma regra de ouro.
 Usa-se uma pequena venda nos olhos, de modo a facilitar o processo de introspecção. As terapias vão se sucedendo... Todas ministradas por enfermeiras ou médicos médiuns, com muito carinho e dedicação. Ao final de cada terapia, um grupo de médiuns, todos de branco, fica postado ao redor da sua cama , fazem uma imposição das mãos, rezando a oração da Cura : Pai Nosso que estais no Céu...
E o silêncio volta a reinar no ambiente.
 O único intervalo do dia, é para o almoço, onde todos se reúnem no restaurante . À tarde seguem os trabalhos , palestras e dinâmicas e depois retorno aos quartos.
A sensação é de você estar noutra dimensão, mais leve , sem as preocupações terrenas. Mais próximo de Deus , de si mesmo. Assim passam os dias, mergulhados nesta paz , na convivência com outros parceiros, com dificuldades e doenças mais graves que a sua. Otimistas , felizes por mais um dia de vida . Muitos desenganados pelos médicos, mas renovados na esperança, buscam dentro de si a própria cura. Quando você pensa que nada mais pode acontecer de tão bom, uma voz suave no seu ouvido pergunta, se gostaria de receber uma massagem nos pés? Uma delicia !
Ao ouvir seu depoimento, pude constatar como lhe fez bem esta semana. Não só o otimismo, mas a tranquilidade como falava da sua doença. Tinha se encontrado , estava consciente de que nem tudo que vem a nós, é um mal maior. Era uma oportunidade para crescer como pessoa.
Para arrematar me disse, algo que ouviu e ficou gravado na sua memória “Filho se estiveres doente, não te descuidas de ti, mas ora ao Senhor que te curará” (Eclesiástico 38). Foi isso que diz ter feito, nesta semana de retiro e reflexão. 

JT Brum 2018

 


segunda-feira, outubro 15, 2018





 
7º Encontro: Um sinal de alerta !

 

Encontrei meu amigo preocupado. Tive a impressão de que alguma notícia ruim tinha abalado sua estrutura, embora tão otimista e positivo.

Entre um exercício e outro , foi relatando o que estava acontecendo. Ao levar os exames ao oncologista, ficou patente : o tumor havia recrudescido. O bloqueio das células, não estava funcionando. O médico explicou que outras glândulas do organismo, além da próstata, passam a produzir testosterona e a proteção das células fica vulnerável. O PSA tinha subido de 0,26 para 3,5 . Um aumento vertiginoso em poucos meses. Tinha que refazer os exames de imagem, para avaliar a situação das metástases.

Isto implicava em nova medicação, que prometia suprir esta deficiência. Passaria a tomar comprimidos de Abiraterona. E esperar surtisse os efeitos desejados. A vida na corda bamba não fazia parte do seu dia a dia. Não estava preparado para viver entre sobressaltos e a ansiedade. Cada exame, nova consulta ou coleta de sangue, gerava uma enorme expectativa , não só para ele, mas para toda família .

Contou-me que recebeu um whatsapp de uma amiga, falando sobre um Hospital Espírita, em Florianópolis. À noite, outra foi a sua casa e cheia de dedos, perguntou-lhe se tinha espiritualidade e se acreditava que a mediunidade poderia ajudar, na cura de sua doença. Falou-lhe também do Hospital Espírita de Florianópolis.

Duas mensagens , direcionadas para ele, em menos de vinte quatro horas, não poderiam ser consideradas mera coincidência. Parou para pensar.

Dia seguinte ligou . Informou-se do funcionamento, dos períodos de internação, etc. Contou-me com certo entusiasmo, de entrar por este caminho pouco conhecido por ele e das possibilidades de tratamento. Na sua vida até então, tinha sido cético e refratário, a qualquer coisa desse tipo. Mas nestas alturas , o que tinha a perder? Não me disse se havia agendado algo.

As semanas seguintes foram de calmaria. Tomando as drogas e levando a vida como era sua rotina. Alimentava-se bem. Fazia sua pratica de exercícios regularmente.

Nas nossas conversas desta semana, ele referiu-se a outras pessoas da Academia ou até conhecidos nossos, foram diagnosticados com câncer.Fez isto naturalmente e sem surpresas. Algumas senhoras e um colega, alunos da Academia, estavam em tratamento e desafiavam com altivez suas agruras. Reconhecer isto e aceitar o fato de sentir-se bem e disposto, devia dar-lhe animo e colocava-lo em pé de igualdade, com tantas pessoas, mais novas ou mais velhas, que tem um destino indecifrável para suas vidas. Cada uma delas luta com a gana que Deus lhes deu.

Percebi então que estava trocando de fase. Saindo da negação: “isto não pode estar acontecendo comigo” e da raiva: “Porque eu? Não é justo”.

Para entrar na fase de negociação e depressão. ”Deixe-me viver até ver meus netos crescer” Finalmente, vislumbrava a fase da aceitação: “Tudo vai acabar bem”. Entender esses cinco estágios nos ajuda a termos maior consciência do que estamos passando, ao enfrentar uma mudança significativa nas nossas vidas. Traz-nos lucidez e força para lutar com nossas dificuldades.Isto tinha um efeito benéfico no seu estado de espírito e equilíbrio interno.

Contei-lhe de uma amiga, cujo câncer se concentrava na cabeça e mesmo assim, não perdia a esperança, embora todos os efeitos colaterais da doença e da medicação. Isto tudo tinha o aspecto pedagógico, para reconhecer que, seu problema era igual ou menor a tantos outros a nossa volta e que não somos o centro do mundo.

Depois disso meu amigo sentia-se mais otimista e ciente que o seu caminho, só seria percorrido por ele, sorrindo ou chorando, erguendo as mãos aos Céus, agradecendo ou praguejando contra tudo e contra todos. 

J T Brum 2018

 

 

 


segunda-feira, outubro 08, 2018



6º encontro : Um período de estabilidade.
 

 
 
A vida volta ao normal. Os meses se passavam e o papo corria solto na Academia.
Meu amigo abriu seu secreto problema, primeiro para os professores, depois para outros colegas mais chegados.
Todos ficavam surpresos. Seu estado físico não denotava nada, pois para quem tinha sessenta e sete anos, estava muito bem. Fazia exercícios três vezes por semana e corria com o grupo nas terças e quinta feiras pela manhã. Até de competições de rua participava, com boa performance. Nos fins de semana jogava tênis com os filhos e genro. Não tolerava perder dois sets seguidos.
Neste período, o PSA estava sob controle e segundo seu oncologista, era manter assim, com o tratamento controlando a doença. Foram os melhores meses de convivência com a doença, me dizia o amigo. Apenas uma injeção mensal, de fácil tolerância. E vida normal.
Isto para consumo externo, mas no seu íntimo, uma série de questionamentos ainda assolava seus pensamentos. Um especialmente, sobre a origem e as razões de ser atingido pela doença, como se fosse um raio. O que teria contribuído para isso? Realizou sempre o acompanhamento anual prescrito pelo médico. Porque não foi diagnosticado precocemente? Ele se culpava e ao mesmo tempo procurava absolvição para si . Seria o estilo de vida , o stress dos negócios ou alguma razão de foro íntimo que nem ele próprio conhecia?
Outra questão a minar sua confiança, era a perda de autonomia. A família passou a questionar suas ações e planos futuros.Começou a ser tratado como doente, embora não se sentisse assim. Teve de se submeter e pré aprovar o que faria ou deixaria de fazer. Para quem se autodeterminou ao longo da vida, era um ultraje, um cerceamento da liberdade.
Isto gerou um processo de estresse e intolerância com as opiniões da família, e passaram a ser refutadas de pronto, criando muitos atritos.
Segundo meu amigo, estes assuntos foram mediados na consulta com o oncologista, Ele frisou a favor do paciente, escusando muitas das reações, pois julgava razoáveis nestas circunstancias.
É difícil se acostumar com a espada sob sua cabeça. A doença por vezes esquecida, voltava à tona, quando menos se espera. Numa programação de férias , nos planos futuros ou negócios. As perspectivas de vida eram sendo reavaliadas, mesmo quando outros amigos ou conhecidos, aparentemente saudáveis, se vão. Ninguém tem dia ou hora certa para morrer.
Meu amigo comentou sobre uma frase do Betinho , que diz: “uma coisa é quem vive a história , outra coisa é quem conta a historia”. Isto o deixou intrigado, pois pretendia um dia escrever sobre estas vivências, mas tinha uma preocupação de ser fiel e verdadeiro, colocando a realidade dos fatos e sentimentos, passo a passo com a realidade. Como ser autêntico sem dourar ou dramatizar os fatos ? Este será seu incitamento quando for escrever. Caminhar lado a lado, entre a história e a versão dos fatos.
Nestes momentos, era então hora de repensar e agradecer pela oportunidade da vida e seguir em frente, com aquilo que é possível e viável naquele momento. 

J T Brum 2018
 

 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 


segunda-feira, outubro 01, 2018



Resultados positivos :

 

Passados três meses, nossos encontros tornaram-se mais leves. Na academia, os exercícios mais pesados. Tudo parecia ter se encaixado, embora a expectativa mensal pelos resultados dos exames fazia meu amigo ficar sempre numa grande agonia.

O dito PSA , caia substancialmente de 78 para 3,6 no ultimo mês. O médico sempre lhe dizia que era apenas um marcador e seu estado geral, era o mais importante. Tanto assim, a cada consulta, o médico não queria nem ver de pronto os exames e sim saber como estava se sentindo e os efeitos do tratamento no seu dia a dia.

Ele orgulhoso mostrava os exames ao médico , como se fosse o boletim de colégio, para que o pai visse e assinasse. O exame físico, com avaliação de peso, pressão arterial e outras analises , os deixava mais calmo, pois tudo corria bem, com os exames laboratoriais.

Suas dúvidas e ansiedades estavam focadas nas perspectivas futuras. Até onde iria o processo de melhora? O oncologista era comedido e reticente, em apontar uma saída de cura ou a situação de evolução das metástases instaladas nos ossos.

Numa conversa na academia, abordamos o tema espiritualidade e como isto tem a ver com a tranquilidade e a paz de espírito , para lidar com os problemas físicos e emocionais. Expus a ele meu pensamento , filosofia de vida e como tratamos isto na nossa casa. Não importa a religião professada , mas sim acreditar num Ser Superior, capaz de nos incentivar a praticar o bem e ao amor o próximo.

Então , meu amigo falou da necessidade de afinidade com seu Deus. De criar uma intimidade, para ter condições de a qualquer momento pedir e agradecer, como se faz com um amigo próximo, que respeitamos e prezamos. Isto nos gera uma sensação de companhia e solidariedade. Nos deixa mais fortes , para enfrentar as dificuldades do dia a dia. Sentimos que não estamos sozinhos. Estamos falando da espiritualidade, no sentido de desenvolver a consciência, a alma, a sua conexão interna. A espiritualidade pode ser definida com uma “propensão humana a buscar significado para a vida por meio de conceitos que transcendem o tangível, à procura de um sentido de conexão com algo maior que si próprio” (Wikipédia).

Relembrando as recomendações dos médicos , para enfrentar a doença : exercícios físicos e cabeça boa. Academia, para os exercícios físicos. Trabalhar o espírito, ser otimista e se alimentar de bons pensamentos para ter cabeça boa, este o desafio.

Comentamos também sobre livros tratando das possibilidades de cura do câncer. Algo que nestes primeiros tempos, era lido com avidez, buscando a salvação nas entrelinhas. Um dos mais destacados é “Anticâncer” escrito pelo médico David Servan Schreiber. Trata-se de um relato de um médico lutando contra a doença e inventou uma nova maneira de viver.

Segundo meu amigo, depois de ler o livro, consultou seu oncologista, sobre a necessidade de consultar uma nutricionista, para avaliar seus hábitos alimentares e como poderia melhorar. Sem nenhuma ênfase, disse ele que poderia fazer bem. Mas não fez  nenhuma indicação .

A ênfase do “Anticâncer” é justamente na alimentação, a mais natural possível, com verduras , legumes e frutas. Como médico Dr. David queixa-se que, depois de diagnosticado, seus oncologistas, nunca quiseram saber o que comia ou bebia. Apenas se preocupavam com a medicação e os exames.

Ficou claro para ele , a alimentação , medicação e exames devem andar juntos. Além disso, ioga e meditação. Todos os reforços para vencer estão doença tão disseminada nos dias de hoje.

 

J T Brum 2018