segunda-feira, novembro 12, 2018




11º Encontro : Os sinais evidentes e intangíveis do tratamento. 

Quando meu amigo chegou na academia e não retirou o boné, suspeitei que algo não ia bem. Conversamos rapidamente e fomos ao local de alongamento. Ali ele despiu-se do boné. Mostrou a cabeça. Os cabelos caíram, em chumaços. Manchas irregulares. Pareciam que tinham sido arrancados, não cortados.
Contou-me que, nesta terceira quimioterapia, ao tomar banho, enquanto lavava a cabeça, sentiu os fios entre os dedos. Para ter certeza que a água havia retirado os que estavam por cair, continuou esfregando.... Só aumentava a quantidade de cabelos no ralo. Um choque.
Dizem que passados os efeitos do tratamento, os cabelos acabam voltando. Seu PSA tinha caído consideravelmente. Isto ajudava a manter o moral. Nada que os efeitos benéficos não justifiquem o susto. Ele como os demais mortais, submetidos a esta bomba química, estava sujeito aos efeitos colaterais. Não tinha como fugir disso.
Nestes dias, parou de correr com os colegas . Via-os saindo, mais preferia ir sozinho. Suas energias tinham sido absorvidas. O vigor se esvaiu, sobrava vontade e animo, mas faltava o essencial : força nas pernas e pulmão para aguentar o ritmo. Conseguia apenas correr um km e caminhar um.  Trotava, não corria com o mesmo ímpeto de antes. Uma decepção, mas era o necessário para manter a autoestima e mentalizar que, uma vez suspenso o tratamento, voltaria a correr , como no passado recente.
Mesmo os jogos de tênis acabaram-se. Nem treinos. A condição física deteriorava. Mantinha os exercícios da academia. Para quem era ativo como ele, a chama do gás diminuía , o calor e as endorfinas também. Não podia suportar a idéia de ficar ocioso, lendo jornal de pijama, ou fazendo pequenas caminhadas no jardim de casa.
Passados três dias das quimioterapias, já acordava e tomava café. Calçava os tênis para caminhar ou ir para a academia. Ele gostava disso. Parecia mantê-lo mais forte e vivo.
Uma colega da academia o viu passar correndo na Nilo Peçanha, perguntou-me de onde vinha esta vontade de correr e este astral para enfrentar a doença.
 Respondi: — Da cabeça boa e da fé em Deus. Ele é um otimista e isto vai ajudá-lo a vencer ou a sofrer menos, nesta sua luta diária.
Mas também havia máscara de forte, de auto-suficiente e otimista que usava nestas circunstâncias. Muitas vezes, me confessava sentir-se perdendo as esperanças e usando o sorriso, o positivismo e a superficialidade sobre a doença, como despiste, para não provocar na família, nem nos amigos a sensação de derrota e autopiedade.
 As limitações físicas e psicológicas que passava a enfrentar, com a tez da pele amarelada, a cabeça sem cabelos e as renúncias obrigatórias, o carimbavam definitivamente como portador de um câncer de próstata e cujo tratamento ainda seria longo e indefinido.
 Tudo o que fizesse , seria considerado superação, muito embora até então, ele não contasse com isto, para manter-se bem, apesar da idade, fisicamente saudável e com muitos planos para o futuro. Tudo é relativizado e carimbado com a pecha de idoso portador de doença crônica.
Isto o incomodava muito . Desprender-se do status de auto-suficiente, para compulsoriamente ser considerado quase um inválido pela sociedade, amigos e pela família. Ninguém dizia isto abertamente, mas nas entrelinhas, podia notar estas avaliações e até preocupações com seu estado de saúde. Antes ninguém se preocupava se estava resfriado, com tosse ou com dor no joelho. Hoje em dia, uma lupa indiscreta encima dele, pronta para expor qualquer suspeita de fragilidade ou fraqueza.
Estas divagações serviam de catarse para meu amigo e eu procurava reforçar naquilo que achava pertinente. Acabávamos os exercícios e continuávamos a bater papo, sempre muito animados e em alto astral. Até para mim tinha um valor especial, pois gozava de uma vida saudável, mas ninguém pode garantir uma permanente qualidade de vida e saúde. A prevenção e os exames periódicos são a chave do sucesso, nos dias de hoje. 

J T Brum 2018

 


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