11º Encontro : Os sinais evidentes e intangíveis do
tratamento.
Quando meu amigo chegou na
academia e não retirou o boné, suspeitei que algo não ia bem. Conversamos
rapidamente e fomos ao local de alongamento. Ali ele despiu-se do boné. Mostrou
a cabeça. Os cabelos caíram, em chumaços. Manchas irregulares. Pareciam que
tinham sido arrancados, não cortados.
Contou-me que, nesta terceira
quimioterapia, ao tomar banho, enquanto lavava a cabeça, sentiu os fios entre
os dedos. Para ter certeza que a água havia retirado os que estavam por cair,
continuou esfregando.... Só aumentava a quantidade de cabelos no ralo. Um
choque.
Dizem que passados os efeitos do
tratamento, os cabelos acabam voltando. Seu PSA tinha caído consideravelmente.
Isto ajudava a manter o moral. Nada que os efeitos benéficos não justifiquem o
susto. Ele como os demais mortais, submetidos a esta bomba química, estava
sujeito aos efeitos colaterais. Não tinha como fugir disso.
Nestes dias, parou de correr com
os colegas . Via-os saindo, mais preferia ir sozinho. Suas energias tinham sido
absorvidas. O vigor se esvaiu, sobrava vontade e animo, mas faltava o essencial
: força nas pernas e pulmão para aguentar o ritmo. Conseguia apenas correr um
km e caminhar um. Trotava, não corria com o mesmo ímpeto de antes. Uma decepção,
mas era o necessário para manter a autoestima e mentalizar que, uma vez
suspenso o tratamento, voltaria a correr , como no passado recente.
Mesmo os jogos de tênis
acabaram-se. Nem treinos. A condição física deteriorava. Mantinha os exercícios
da academia. Para quem era ativo como ele, a chama do gás diminuía , o calor e
as endorfinas também. Não podia suportar a idéia de ficar ocioso, lendo jornal
de pijama, ou fazendo pequenas caminhadas no jardim de casa.
Passados três dias das quimioterapias,
já acordava e tomava café. Calçava os tênis para caminhar ou ir para a
academia. Ele gostava disso. Parecia mantê-lo mais forte e vivo.
Uma colega da academia o viu
passar correndo na Nilo Peçanha, perguntou-me de onde vinha esta vontade de
correr e este astral para enfrentar a doença.
Respondi: — Da cabeça boa e da fé em Deus. Ele
é um otimista e isto vai ajudá-lo a vencer ou a sofrer menos, nesta sua luta
diária.
Mas também havia máscara de
forte, de auto-suficiente e otimista que usava nestas circunstâncias. Muitas
vezes, me confessava sentir-se perdendo as esperanças e usando o sorriso, o
positivismo e a superficialidade sobre a doença, como despiste, para não
provocar na família, nem nos amigos a sensação de derrota e autopiedade.
As limitações físicas e psicológicas que
passava a enfrentar, com a tez da pele amarelada, a cabeça sem cabelos e as
renúncias obrigatórias, o carimbavam definitivamente como portador de um câncer
de próstata e cujo tratamento ainda seria longo e indefinido.
Tudo o que fizesse , seria considerado superação,
muito embora até então, ele não contasse com isto, para manter-se bem, apesar
da idade, fisicamente saudável e com muitos planos para o futuro. Tudo é relativizado
e carimbado com a pecha de idoso portador de doença crônica.
Isto o incomodava muito .
Desprender-se do status de auto-suficiente, para compulsoriamente ser
considerado quase um inválido pela sociedade, amigos e pela família. Ninguém
dizia isto abertamente, mas nas entrelinhas, podia notar estas avaliações e até
preocupações com seu estado de saúde. Antes ninguém se preocupava se estava
resfriado, com tosse ou com dor no joelho. Hoje em dia, uma lupa indiscreta
encima dele, pronta para expor qualquer suspeita de fragilidade ou fraqueza.
Estas divagações serviam de
catarse para meu amigo e eu procurava reforçar naquilo que achava pertinente.
Acabávamos os exercícios e continuávamos a bater papo, sempre muito animados e
em alto astral. Até para mim tinha um valor especial, pois gozava de uma vida
saudável, mas ninguém pode garantir uma permanente qualidade de vida e saúde. A
prevenção e os exames periódicos são a chave do sucesso, nos dias de hoje.
J T Brum 2018
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