quarta-feira, agosto 07, 2019



31º Encontro : Distâncias e memórias 

Depois de um intervalo maior que imaginava, voltei a encontrar meu amigo no estacionamento da Academia. Mais magro e um pouco pálido, mas sempre sorridente. Nos abraçamos e começamos um papo acelerado, para matar a saudade. Revisamos os últimos tempos. Eu contando as viagens à Austrália, para visitar minha filha. Ele contando das suas peripécias e tratamentos. Agora parecia bem, tinha voltado a caminhar e se alimentar melhor. Tinha até uma fisioterapeuta para retomar a forma.
Entre as tantas atualizações, contou-me do tratamento em Montevidéu, com um radiofarmaco, chamado Lutécio, injetado na veia, tem o poder de destruir as metástases ósseas. Neste período de tratamentos, teve altos e baixos, mas não baixou seu PSA. Conseqüência : Passaram-se alguns meses , para ter a comprovação de que no seu caso não funcionara. Foi obrigado a desistir.
Nas noites de dores e insônia, nesta semana, diz ter levantado para ir ao banheiro e um pensamento de satisfação acudiu-lhe. Veio com um vídeo, num relance e ele viu-se com dez anos, calças curtas, chinelinho, ajudando seu pai numa mangueira na fazenda.
Muita poeira no ar.Um burburinho.O grito dos peões. O relincho dos cavalos, o estalar dos relhos e o gado mugindo, tentando escapar. Apertado nos cantos da mangueira, os peões laçavam e depois maneavam arrastando até próximo do fogo de chão . Seriam castrados e aplicado o ferro quente da marca.  Aquilo para ele, tinha um sabor de aventura e os olhos pretos, vivos , brilhavam a cada lance. O bezerro laçado pelos chifres e com outro laço nas patas trazeiras , era estendido no chão, pelos peões, de modo não pudesse se movimentar. Ai vinha meu pai, com o bisturi em mão, apoiando o joelho no lombo do animal, apalpava , buscando os testículos. Segurava um e pressionava contra a parede do saco escrotal, fazendo uma pequena incisão, de modo a permitir que o testículo viesse para fora. Tudo muito rápido.Como era médico manuseava o bisturi com destreza. Segurando o testículo, recoberto por uma fina membrana de tecido, era retirada, de forma a ficar aparente. Ai sim era cortado na sua ligação , dois dedos abaixo. Jogado numa bacia , que ele, o menino aprendiz atentamente carregava.Passavam um ungüento no saco , logo depois da marca o bicho era solto. 
E logo vinha com outro berrando e estirado. O processo se repetia. Sempre atento a todos os detalhes , mas não previa que num desses casos, a pata do boi, escapasse do laço e viesse na sua direção. Ergueu a bacia e saltaram testículos e sangue para todo lado inclusive na sua cara. Sua defesa foi intuitiva. Seu pai o socorreu e sentiu-se muito feliz e orgulhoso. Foram poucas vezes na vida, que sentiu está proteção paterna. Esta cumplicidade paterna calou fundo e gerou uma afeição pelo gesto.Foi valente, sem temer o perigo. Como era o primogênito, deveria ser capaz das lidas de campo e dos trabalhos na mangueira. Assim se talhavam os meninos da época.
Depois de me contar isso, pude sentir pelo seu entusiasmo , como estas memórias lhe faziam bem. Pude também constatar que nossa distância, embora dilatada nestes últimos tempos, em nada mudou nossa interação e a facilidade que temos em nos comunicar. Verdadeiros amigos, embora distantes e por mais tempo que fiquem afastados, a essência do seu relacionamento e afinidade, permanecem inalteradas.
Despedimos-nos depois de uma boa conversa, certos de Deus nos reserva bons momentos e oportunidades para ser felizes . Nosso intento é aproveitar ao máximo esta dádiva.

JTBrum 2019                                                     

 

 

segunda-feira, junho 10, 2019





30º Encontro : Nossas dores !!

Lá estávamos nós na Academia em mais uma manhã de primavera. Temperatura agradável, nem os aparelhos de ar condicionado tinham sido ligados. O burburinho dos colegas preenchia o espaço, num ambiente de coleguismo e fraternidade.

Embora a faixa etária dos participantes fosse muito variada, não se podia dizer que os mais jovens levavam vantagem na execução de seus respectivos exercícios. Os pesos e desafios de cada um , eram proporcionais às suas capacidades.

Meu amigo me confidenciou que estava sentindo dores na coluna. Lembrei a ele, que ele tinha um comprometimento nas vértebras L2 e L3.Até então ele não havia se queixado, mas a inclusão de novos exercícios de agachamento, lhe fazia muito bem para as pernas, forçava sua coluna. Divagamos um pouco sobre dores. Ponderei que todo o ser vivo tem dores. Nós humanos a partir de certa idade, conseguimos localizar e detalhar nossas dores.
Meu amigo lembrou que há dores físicas e mentais, que atualmente atingem todas as camadas sociais e idades. As depressões, os distúrbios neurológicos, as doenças adquiridas ou congênitas. São sofrimentos do paciente e dos familiares, que muitas vezes se sentem incapazes de ajudar a resolver a dor e o mal estar. Dizem que os suicidas sentem uma dor terrível, indescritível, que os impulsiona para o ato de desespero. Mas há dores emocionais, cuja origem pode ser do trabalho, de relacionamentos, de origem familiar ou outras situações. Os sintomas mais comuns são dor de cabeça, dores estomacais e dor nas articulações.
Neste contexto, entre homens e mulheres, o poder de resistência a dor, seguramente é maior das mulheres. Parece que pela destinação natural à maternidade, elas já são preparadas a resistir melhor às agruras . A dor de parto e o calculo renal dizem ser as mais fortes que ser humano enfrenta.
Mas há enfermidades, cujo processo de deterioração, vão minando as forças e causando dores gradativas, a ponto de ser estancada com a morfina ou com o desligamento de nervos condutores.
Ao longo da vida, quando jovens temos as dores naturais da idade e do momento que vivemos. Um braço quebrado, um tornozelo torcido, uma dor estomacal ou uma gripe muito forte. À medida que os anos passam , estas mesmas questões, passam a ser vistas como mais problemáticas e os cuidados redobram. Aos trinta anos uma gripe tem um efeito. Aos setenta anos, exige cuidados especiais. Mas uma dor de dente não tem idade e não deixa ninguém dormir. Vemos diariamente atletas saindo das quadras e campos de futebol, com dores e chorando, mas dias após, já estão recuperados e voltando as atividades. Uma artroscopia de joelho num atleta de vinte anos é um fato corriqueiro e pouco tempo depois está na ativa. Já num adulto, não atleta, é um processo complicado.
Sob o efeito da dor nada é confortável e aceitamos qualquer proposta para suprimi-la. As dores dispersas, as dores localizadas, são inconcebíveis no nosso padrão de estabilidade. Dores eventuais e dores permanentes, todas elas nos tiram do prumo, do bom humor e da graça de viver. A dor , além de impactar na qualidade de vida pode levar a limitações importantes que alteram a capacidade funcional do idoso , ainda mais se estiver associado a outros diagnósticos, como a Doença de Alzheimer, pois o paciente fica incapaz de relatar com clareza seu desconforto.
As dores são sintomas que algo não vai bem no nosso organismo e devem ser vistas como alertas. Mal de nós se , sem dores. Descobriríamos nossas doenças, já em fase avançada. Elas também nos temperam e nos deixam mais humildes, sem a prepotência inata do ser humano. Dizem os filósofos “o que não me destrói, me fortalece” As limitações que vem junto com elas e nos dão a dimensão da nossa finitude e do nosso futuro incerto. Hora de nos aproximar Dele, e pedir Sua proteção. Deveríamos fazer isto sempre, mas só nos lembramos de Santa Barbara quando troveja !
Finalizamos nossos exercícios , nosso papo e partimos para a lida, felizes por mais um dia pela frente. 

JT Brum 2019

segunda-feira, junho 03, 2019







29º Encontro Transfusões e seus benefícios


Nesta semana meu amigo não veio na Academia na segunda e terça feira. Pensei que algo deveria ter acontecido. Quarta feira o encontro cedo e já fazendo os exercícios. Um largo sorrido logo avisava que nada de mais havia lhe abatido, apenas uma transfusão de sangue. Isto para combater um pouco de anemia que teve, fruto das inúmeras quimioterapias.

Meu amigo falou como se sentia, antes e depois do processo. Como era mágico este procedimento. Pessoas cedem gratuitamente seu sangue, por caridade, generosidade ou solidariedade e vai para pessoas como ele, que necessita não de medicamento, mas um produto de origem humana como o sangue.
Ainda não temos nas farmácias , por preço nenhum, 200ml de sangue tipo A. Dependemos de alguém que possua e queira doar.
Muitos doam para seus conhecidos e familiares, mas tem muito mérito, os doadores para dos os bancos de sangue, doadores anônimos que fazem o bem, sem se preocupar a quem vai beneficiar. É isto que chamamos de solidariedade do ser humano.
Mas a há outras formas de transfusões, que muitas vezes não nos damos conta. Os gestos de carinho e afeto, os exemplos e em especial as palavras bem colocadas e na hora certa.
Meu amigo dizia ser uma pretensão sua, fazer de seus textos “transfusões” de exemplo, de incentivo e de apoio a quem em situação semelhante possa precisar.

Estas palavras têm que ter o peso e o tipo próprio de cada leitor. Uma metáfora para que estas palavras possam fazer bem, sem criar dúvidas ou mal entendidos.
Acrescenta meu amigo, receber tantas “transfusões” após publicar cada texto, recheadas de carinho, incentivo, elogios, generosidade, sente-se mais forte para se concentrar no próximo texto, pressionado pela responsabilidade que vem junto.

No dia a dia, com nossos familiares, amigos e conhecidos, também fazem estas “transfusões”. Damos e recebemos. Vale um telefonema, uma visita. A qualidade destas trocas é o que gera um ambiente salutar e propicio ao desenvolvimento do ser humano. Sentia-se renovado com um telefonema ou com a visita dos amigos, nos seus dias mais difíceis.
Na Academia temos amigos convalescentes. Uma palavra de estimulo, apoio e compreensão, serve de “transfusões” pequenas ou grandes, dependendo da receptividade , disponibilidade e sinceridade de quem dá e de quem recebe.
Meu amigo me mostrou um texto escrito há algum tempo atrás, quando iniciou o curso de Escrita Criativa, ali revela ao pensamento sobre porque escrever, ainda sem se dar conta da terapia deste ato.

“Porque quero escrever?: Há muito tenho este desejo. Na medida em que os tempos passam, hoje com 70 anos, acredito ter uma estória para contar. Quem ler terá noção mais clara, de quem fui e como passei por esta vida e como conquistei meu espaço. Eu próprio vou fazer uma imersão na minha infância, meninice e juventude. Terei o distanciamento necessário para admitir os erros e acertos? Tenho consciência que devo planejar bem para não tornar enfadonho o texto. Deve ser envolvente e com surpresas. Será minha realização pessoal. Espero “que as quimioterapias que me ajudam contra o câncer, não sirvam de empecilho nas minhas tarefas.”

Passados dois anos, ele segue seu caminho, com firmeza e determinação. Pode-se dizer bem sucedido até certo ponto, pois a persistência e disciplina, aprimoram seus textos a cada dia.

JTBrum 2019






segunda-feira, maio 27, 2019





28º Encontro : Resignação ou resiliência ?

Muitos questionam meu amigo , pelo fato de seus textos não ter uma ordem cronológica , nem ser um informativo do seu atual estágio de saúde. Respondeu-me, não querer que seus textos tenham um teor de boletim médico, onde se informa às últimas horas do paciente, a evolução ou involução do tratamento a que está sendo submetido. O tempo decorrido tem um “atraso” proposital de mais ou menos um ano.
Março de 2018 ele começava seu período de quimioterapias. Seu PSA esta fora de controle.  Seriam dez sessões. Como estava vacinado já com outras tantas, isto não lhe perturbava. Sabia dos efeitos colaterais e tinha aprendido a conviver com eles. Queda de cabelo, unhas, palidez e alguns enjoos nos primeiros dias. Sem falar na queda de imunidade a ser administrada, no dia a dia.
Passados estes dias mais críticos, lá estávamos nós na Academia. Entre um exercício e outro , um comentário, um papo , uma divagação sobre os assuntos do momento. Este clima de saúde, vitalidade, performance, contagiava meu amigo, embora sem as energias físicas necessárias, motivava-se a acompanhar e impregnar-se do suor alheio.
O grupo de corridas continuava sua rotina de treinos e preparavam-se para provas tanto na capital, mas muitas no interior. Meu amigo, mesmo sedento por correr, tinha ficado só na vontade. As quimioterapias tinham lhe roubado as forças, tanto das pernas como do pulmão.
Muitos se surpreendem com a vontade de viver e o apreço as coisas ligadas à saúde e a vida. Meu amigo não se porta como um doente vitima de uma doença crônica. Ele trata do assunto como se logo estivesse prestes a livra-se deste problema. Seu emocional supera o racional e sentir-se apaixonado faz parte do seu dia a dia. Isto não significa que não enfrente problemas diários, que sua vida seja um mar de rosas. Mas veja o exemplo. Passados seis dias da quimioterapia, ele contava com quinze dias de lua de mel, para curtir a vida , sem as limitações ou inconvenientes do tratamento. Assim, os períodos “problemas” ficavam abreviados e mais longos seus dias de folga e tranquilidade. Assim ele encara seis dias de quimioterapias. Com otimismo e resignação. Não há o que fazer.
A aceitação dos fatos , sem rebelar-se com a situação, tornava-o mais positivo e esperançoso, com o tratamento funcionando, voltaria a fazer tudo o que antes era normal nas suas atividades. Esta característica segundo meu amigo foi herdada de sua mãe. Ela uma mulher sem estudo, submetida à situação de trabalho doméstico e com a responsabilidade de criar sozinha um filho, sustentando com seu minguado salário. Nunca demonstrou infelicidade ou praguejou nas situações difíceis. Quando ainda pequeno pedia um brinquedo ou algo o atraía numa vitrine, com voz macia e convicta lhe dizia “Sim filho, quando não ventar, nem chover”. Isto bastava. Sabia seu pedido tinha sido aceito, mas não tinha data certa para ser realizado. Naquela época chamava-se resignação. É o mesmo que a aceitação, uma condição de estar submisso ao desejo e vontade de outra pessoa ou da ação do destino. O estado de resignação é compreendido como a ação de aceitar voluntariamente e pacificamente uma condição, mesmo que o individuo resignado não concorde com esta.
Hoje meu amigo, recordando fatos de sua infância, pôde entender muita coisa que na época não entendia. A submissão e resignação de sua mãe, sempre o deixaram intrigado, mas ela o criou livre destas pressões.
Nos nossos dias, o conceito de resiliência está em voga e definido como a capacidade de voltar ao seu estado natural, principalmente após situação crítica e fora do comum. A resiliência demonstra se uma pessoa sabe ou não funcionar sob pressão. Pode-se entender como uma evolução, um estágio acima, do que age com resignação ou daquele que amadurece e age com resiliência. Quantos de nós , estamos resignados na nossa condição de vida? Não vemos saída, nem alternativa, que nos dê paz no nosso íntimo? Apenas carregamos o fardo. Isto vale para o trabalho, para os relacionamentos, para os casamentos, para as situações da vida em geral.
Escolher a resiliência, significa buscar soluções , mesmo sob pressão e um meio termo, para as situações da vida. No caso do meu amigo e sua saúde, me parece que está neste caminho, convivendo com sua doença, ciente dos riscos, mas positivo e enfrentando a pressão dos tratamentos com maturidade. Isto não o isenta de ansiedade e às vezes impaciência, mas nunca de baixo astral, confiante e com fé em Deus e na medicina.
Foi mais uma semana de exercícios e convivência, extremamente agradável e produtiva, na companhia do meu amigo e parceiros da academia.

JTBrum 2019


segunda-feira, maio 20, 2019



27º Encontro : Sementes lançadas na terra.

Comentamos com meu amigo , no último encontro na academia, sobre as varias idéias e teorias, discutidas entre nós e lançadas por ele nos seus escritos.
São muitas teorias e constatações sobre a doença câncer. A palavra da medicina e dos médicos sobre as alternativas de tratamento. O que funciona para uns, não funciona para outros. Seu pai, médico no interior , dizia que “aquilo que o bisturi cura ,está curado”. Por isso, vemos tantos casos de cirurgias bem sucedidas, com a extração do tumor, sem deixar vestígios. Mas quando já se tem metástases, a coisa fica mais complicada.
Falamos sobre o livro do Anti Câncer do Dr. David Servan Schreiber e suas dissertações sobre o assunto. Falamos também sobre as pesquisas. Uma frase de um grande pesquisador francês René Dubos : “Sempre pensei que o único problema da medicina cientifica era o fato de ela não ser suficientemente cientifica. A medicina moderna só se tornará verdadeiramente cientifica quando os médicos e seus pacientes tiverem aprendido a tirar partido das forças do corpo e do espírito que agem através do poder de cura da natureza”.
Nosso corpo é um imenso sistema em equilíbrio, onde cada função está em interação com todas as demais. A modificação de um único desses elementos afeta necessariamente o conjunto. Cada um pode escolher por onde deseja começar: alimentação, atividade física, trabalho psicológico, ou qualquer outra abordagem que traga mais sentido e consciência a própria vida. O importante de tudo é alimentar o desejo de viver. Alguns farão participando de um coral, mergulhando em filmes cômicos, fazendo um diário ou escrevendo como fez meu amigo.
Ter consciência disso é realmente fundamental e prestar atenção aos sinais do corpo é essencial para quem deseja viver plenamente e por muito tempo.
Nestes dias, ainda comentamos sobre sua experiência ao CAPC (Centro de Apoio ao Paciente com Câncer) em Florianópolis. Ele lembrava que nestas reflexões e nas dinâmicas, surgia uma questão central, para a felicidade e paz interior dos participantes. Onde se perdeu a criança feliz que havia dentro de nós? Fazer esta busca e resgatar era nosso grande desafio. Em que momento começou a mudar, esquecê-lo ou esconder-se atrás de uma máscara ? Onde anda aquele menino ou menina que brincava alegre e sem preocupações?
A propósito me falou de um livro recomendado: “O cavaleiro preso na Armadura” de Robert Fisher, uma fábula para quem busca a Trilha da Verdade. Comprei para ler e buscar a minha verdade! Ao longo deste período, de altos e baixos, buscamos recursos e alternativas, muitas vezes , fugas e negação dos nossos reais problemas.
Para arrematar me disse, algo que ouviu e ficou gravado na sua memória: “meu filho, se estiveres doente, não te descuida de ti, mas ora ao Senhor que te curará” (Eclesiástico 38) Foi isto que diz ter feito nesta semana de retiro e reflexão.
As palavras colocadas em cada texto, refletem o estado de espírito e motivação daquele momento. Revisando estes meandros, dá para perceber, a avalanche de emoções, sensações e estado de espírito daquele momento. Numa revisão agora, queria que as palavras mais produtivas, mais sensatas, melhor aplicadas em cada texto, pudessem ser como sementes lançadas, nos corações dos leitores. Muita pretensão? Esperança? Expectativa? De tudo um pouco... Temos consciência da percepção diferente de cada leitor sobre o enfoque das palavras e seu sentido. Sobre aquilo que valorizamos e o que achamos secundário. As idéias que coincidem com nossos valores e aquelas que rechaçamos ou deixamos passar em branco.
O amor a vida, o apreço a família e aos amigos, nos tornam lutadores incansáveis pela sobrevivência. Aliados a fé, a esperança e a misericórdia Divina, seguimos nossa jornada, sem olhar para trás, apenas os olhos no futuro. 

JTBrum 2019

 


quarta-feira, maio 01, 2019

 
26º Encontro : Quimioterapias: Uma balança de prós e contras.
Depois de tentar um tratamento de ponta,sem sucesso, meu amigo voltava agora para o tratamento convencional. Ele suportava bem as quimioterapias e na primeira semana pós-quimio, era um pouco mais difícil, mas logo depois estava ele na Academia, fazendo seus exercícios e bem humorado , batendo papo com seus colegas. Lógico que tinha a perda de cabelo, da cor da pele, das unhas, Mas isto ele tirava de letra. Os efeitos colaterais para uns tem um peso, para outros nem sempre.
Sabíamos não seria a cura, com quimio, mas alongava o tempo. Agora a proposta era fazer 10 sessões, uma a cada 21 dias. Sete meses. E teria uma relativa qualidade de vida neste período. Para situar meus demais amigos, no tempo e no espaço, isto ocorreu no ano de 2018.
A expectativa é agora baixar o PSA, o desafio permanente no processo de controle e avaliação do tumor e sua atividade.
Meu amigo tem se afastado da publicação de textos, por achar que podem avaliar sua iniciativa , como um processo de vitimização, falando de sua doença, seus tratamentos. Tenho insistido com ele. Há outras facetas, para analisar na sua iniciativa.
 A primeira é, como pessoas enfrentam o mesmo problema, reagem e superam suas aflições.
Uma segunda visão é, como desmistificar este assunto: câncer , o dia a dia do paciente e como enfrentar os tratamentos recomendados. Além de outras, há um aspecto que sempre ajudou meu amigo no seu processo de encarar o assunto: como uma terapia, expondo e expondo-se nos seus textos publicados.
Meu amigo diz que muitas pessoas conhecidas, tem se manifestado , nos comentários, contando que estão passando por problema semelhante e isto tem lhes ajudado a encarar os fatos com realidade e empatia.
Quando se é diagnosticado com câncer, todos os depoimentos dizem : o mundo desaba. A morte é certa. O tempo nós o diminuímos por conta própria e não há mais o que fazer ...
Despedir-se. Abandonar os sonhos. Dizer adeus aos prazeres da vida. Mas com o passar dos dias, Deus se encarrega de nos mostrar . Ele é o Senhor do tempo e o Seu tempo não é o tempo os homens. E a vida começa a fluir ... Queiramos ou não .
No caso do meu amigo, neste mês de maio/19, completa cinco anos do diagnostico. O que comprova o escrito acima. Só Ele sabe quando é nossa hora. Nestes anos, muitos amigos, colegas e conhecidos , saudáveis, se foram sem tempo de pestanejar. Cada um tem que carregar sua cruz. Com boa vontade, relutante ou esbravejando.
Os textos dos nossos encontros na Academia ou fora dela, retratam o dia a dia, nestes anos, e tem depoimentos de pessoas acompanhando de perto ou a distancia, mas sempre com importante interesse, pelo próximo capitulo. Agora alguns até cobram pelos capítulos pendentes.
A força e as demonstrações de carinho, dos amigos , parentes , familiares, e até dos netos que perderam, no momento, o companheiro nas brincadeiras, nos dão força para seguir em frente, com fé e esperança.
JT Brum 2019

quinta-feira, abril 18, 2019




25º Encontro : O valor de uma visita.

Não tinha pensado nisso antes. Fazia visitas e recebia visitas, sem outra conotação , a não ser de ter contato, bater um papo, atualizar as informações.
Meu amigo , no entanto , enfatizou alguns aspectos que me passavam desapercebido, e que comecei a valorizar.
Hoje o whatsup , o facebook, e outros aplicativos, delimitam os contatos pessoais, e fazem com que pensemos que estamos realmente nos comunicando, interagindo e que nossas relações sejam realmente aproximadoras e sensitivas.
Diz ele, ter recebido, visitas marcadas com antecedência, visitas de improviso. Visitas de amigos, de parentes , conhecidos, mas todas cheias de carinho, de expectativa positiva pelo seu estado de saúde. Ouvem com atenção seus relatos, suas aflições. Compenetram-se das suas dificuldades e perspectivas. Palavras de incentivo brotam fácil, com sinceridade. Esta interação cria um clima positivo, contagiante , e não só aproxima, como envolve a todos .
A determinação de quem sai da sua rotina , para visitar um amigo convalescente, tem méritos que nem sempre são reconhecidos, no primeiro instante, mas logo aparece no sorriso e no agradecimento de quem recebe a visita, como um conforto e um bem estar que se prolonga , para além do período da estada. Fica um clima de alto astral, saboreado pelo anfitrião e seus familiares.
O prazer de servir um café, um chimarrão ou simplesmente água, é impagável e nesta pequena gentileza , procura retribuir o gesto e o desprendimento. Mas há visitantes mais empenhadas e diligentes, que não satisfeitas como o próprio ato da visita , ainda trazem um regalo, seja um livro, um doce ou algo que saibam do gosto do visitado. Visitas cheias de calor humano.
Pelo entusiasmo com que fala, meu amigo deve ter recebido inúmeras visitas, inclusive minha e de minha esposa.

Contou-me ele, que o tratamento com Xofigo não funcionou. Teve que ser abortado na segunda aplicação. Pelo visto, voltara as quimios novamente. Esta instabilidade e incerteza geram uma angustia, não só no paciente, mas nos familiares. É como saltar de um avião , achando que esta usando o paraquedas adequado, bem dobrado e seguro, mas em plena queda dar-se conta que terá que usar um de reserva, de emergência, pois o principal não funcionou.
E ao cair, recobrar-se do susto, ter que buscar novas alternativas, para sobreviver. Assim são os dias do paciente, que espera pelo tratamento inusitado, que poderá salva-lo definitivamente. Há que ter boa dose e reserva de fé e esperança no seu coração. Mas não se luta só por si. Há todo um conjunto de familiares, amigos, parentes, e conhecidos, na reza e torcida, para dar certo. Não dá para decepcionar ninguém !
E assim seguimos em frente, vivendo o dia a dia, com o suporte da medicina, da família e de todos os amigos que nos visitam ou que nos mandam mensagens de otimismo.

JTBrum 2019


quarta-feira, março 20, 2019




24º Encontro : Uma visita especial. 

Tinha prometido ao meu amigo que iria visitá-lo. Não temos nos encontrado na Academia, o que tem quebrado nossos encontros diários, mas não diminui nossa amizade,nem nossa afinidade. Afinal amigos, independente da distancia ou dos contatos, a amizade se mantém intacta.
Aproveitei e levei um livro, para inspirá-lo nos seus escritos. (O tempero da Vida – de Gilbert Keith Chesterton).
Contou-me que a medicação Xofigo, havia chegado e fez a primeira aplicação. Um produto radioativo, com muitos cuidados na aplicação e depois , com aferição com um detector de radioatividade. A expectativa é pela extinção das metástases no esqueleto. O indicador para isto, ainda é o PSA , que deve diminuir, se funcionar.Passados dois dias da aplicação, nem um efeito colateral ou indisposição. Trina dias depois , a segunda aplicação. Antes disso, exames de controle, para aferir a resposta.
Ele continua com o moral elevado apesar dos percalços do dia a dia. Não tem sido fácil enfrentar esta doença, que escamoteia de um lado para outro, sempre que se sente aprisionada ou encurralada por medicações e tratamentos. As quimioterapias são uma prova disso. Algumas têm o poder de minguá-la até determinado ponto e às vezes extingui-la, mas via de regra, ela resiste, como se ficasse crônica , encapsulada, inerte.

Parece esta aprendendo a viver cada dia.

Sua rotina mudou. Sem as corridas, apenas caminhadas, sem o encontro diário na academia, sente falta dos amigos e colegas . Tem mais tempo para ler e escrever, embora não na velocidade habitual e inspiração que gostaria.

Dizem que a fé remove montanhas, disse-me ele que nem precisam ser montanhas, apenas pequenas partículas da doença. Mas também ele sabe que o tempo de Deus é diferente do tempo dos homens. Ter perseverança e resignação , parece ser o caminho. 

JT Brum 2019

 

 

quarta-feira, março 06, 2019



23º Encontro: Novas perspectivas de tratamento

Ainda não encontrei meu amigo na academia. Falei com ele por telefone. As noticias são boas. Esta há 7 dias sem febre. Mais animado e vencendo a fadiga. Voltou o apetite, embora esteja difícil de recuperar o peso e a aparência.
Segundo ele, seu PSA estabilizou num patamar considerado alto, por isso , uma nova droga alemã chamada Xofigo, que tem por finalidade ir pelos ossos e eliminar as metástases. É um radiofármaco radioativo, que busca as células comprometidas. Segundo o médico, são três aplicações, uma por mês.Começaria nos próximos dias, assim que chegasse a importação.
Com isso novas perspectivas de tratamento e animo para meu amigo. Ele me relatou da corrente de relatos e apoio recebido neste período.Isto certamente dá forças para ele continuar lutando, muitas vezes contra um inimigo oculto, como no caso das febres, e muitas vezes , a própria doença fica em segundo plano.  Só com muita fé e perseverança, para continuar nesta batalha diária.
O apoio da família tem sido decisivo, e é nestas horas que se sente o carinho e a força de todos.
A Medicina todos os dias lança mão de novos tratamentos que buscam encontrar pacientes que se beneficiem deles. No entanto, cada um tem um DNA na sua doença e acertar na mosca, é uma tarefa complicada.
Depois de recebi noticias de meu amigo, fiquei mais confiante na sua recuperação e nas perspectivas do novo tratamento.

J T Brum 2019

 


quinta-feira, fevereiro 28, 2019



22º Encontro : Ressurgindo do fundo do poço. 

Depois de algumas semanas sem noticias, fui atrás para saber o que estava havendo com meu amigo. Sumiu da Academia. Falei inicialmente com sua esposa. Depois com ele. Foi um choque. Emagreceu. Olheiras profundas. Respiração curta. Poucos dias tinha perdido 2 kg.
Então ele com voz pausada, contou que estava sendo vitima de uma Febre Obscura, que lhe acometia normalmente à noite, e que em função dos antitérmicos, depois disso suava de molhar a cama e lençóis. Superada esta fase, dormia, já muito desgastado e às vezes pela manhã outra febre surgia. Disse-me que estava lutando há mais de vinte dias. Sua fadiga não lhe permitia muitos movimentos. As escadas eram um desafio.
Foram dez dias hospitalizado. Neste período fez todos os exames possíveis. Nada que justificasse o aparecimento das febres. O médico resolveu em consenso com a família, que era melhor ter as febres em casa, do que ali no Hospital, dado aos riscos de infecção hospitalar .
Ele parecia estar melhorando. Nas últimas vinte quatro horas , estava sem febre. Mais animado.
Fui embora, certo que voltaria na próxima semana para revê-lo, Deus queira melhor. 

J T Brum 2019

 


segunda-feira, janeiro 28, 2019



21º Encontro    Reflexões sobre a vida.

 

 

Fui à Academia, naquela manhã de primavera, em que o tempo homenageava a vida. Chegando, vi o meu amigo conversando com outro companheiro – que também enfrentava uma situação de saúde momentaneamente adversa –, e com dois professores. O tema prometia: falavam sobre a fragilidade da condição humana.

Meu amigo expunha que na semana passada tinha escutado alguém cético, depois de visitar uma clínica de idosos, afirmando que o homem é como uma casca de noz na correnteza, incapaz de controlar o rumo da sua própria vida, sendo levado em frente mesmo contra sua vontade, impulsionado pelas circunstâncias aleatórias, boas ou más.

Naquele mesmo instante me lembrei de uma frase, que ouvi de meu pai ainda criança, e a repeti a eles: “Um braço vigoroso não é mais aguerrido contra a lança do que um braço frágil; são o caráter e a coragem que fazem o guerreiro”. Em outras palavras, a grande chave que abre as portas da vida plena está na mente e não no físico.

 Mesmo que se esteja ocasionalmente vivendo uma situação de redemoinho, com a sensação de que não podemos mudar o curso inexorável dos acontecimentos, ainda assim é possível observar que sempre há alternativas e opções de conduta para lidar com a situação – qualquer que seja a adversidade do momento.

Ouvi do meu amigo e dos outros companheiros que estavam ali reunidos gestos de confirmação plena dessa verdade. Um deles disse que, mais do que uma convicção, esse é um sentimento intuitivo, com a percepção formada ao longo da existência.

Acrescentei que somos de fato, todos nós, pessoas complexas, e todos podemos sentir ou demonstrar certa fragilidade, mas somos, na realidade essencial, forjados de algo que transcende substancialmente a matéria aparente, e aí seguimos movidos por forças extraordinárias que nos emocionam e orientam a cada novo dia para os melhores caminhos.

 Assim, mesmo que não tenhamos resposta para diversos acontecimentos de nossa vida, e às vezes com a consciência de que não sabemos enfrentar determinada situação, há algo que nos move para diante. Ao reconhecer certas limitações para seguir num determinado rumo, que em princípio nos pareceria o preferível, a verdade é que, a partir desse reconhecimento da própria fragilidade física, e da consciência da fortaleza moral, se apresentam outros tantos caminhos a serem percorridos.

 A consciência da limitação ou da imperfeição, com a certeza de que somos amados apesar de tudo, são os elementos que nos fazem verdadeiramente humanos e nos fortalecem para a tomada das pequenas ou grandes decisões de cada dia.

O meu amigo observou, sobre esse ponto, que, quando deixamos de pensar apenas em nós e somos capazes de sentir as dores do outro, de ter compaixão e de vibrar com a descoberta das espantosas estradas que se abrem para cada um de nós, não importa em que circunstância da existência nos encontre, aí estará à essência da vida.

Nossos vínculos com a sociedade, com os amigos, em especial com nossa família, nos amarram e ligam como participantes deste processo, independente do poder aquisitivo, nível social ou cultural de cada um de nós.

Na Academia vemos isto diariamente. São pessoas, seres humanos, numa sociedade em busca de qualidade de vida, de saúde, e muitas de convívio social. Muitos têm nos amigos da Academia, seus únicos pontos de referencia e seus pontos de apoio. Outros, calados, fechados na sua ilha de isolamento, não tomam conhecimento sobre o que se passa ao seu redor, entram e saem , sem compartilhar nem participar da vida aos demais integrantes. Quem está certo? A vida dirá.

Feitos os exercícios do dia, saímos todos para nossas casas, com o eco dessas constatações e sob a luz da primavera.

 

JT Brum 2019

segunda-feira, janeiro 21, 2019



20° Encontro: Pelo retrovisor

Estamos quase no fim de ano. Época de arrumações, planos de férias, balanço do que se passou. Eu e meu amigo não somos diferentes e nossa atividade na Academia continuava a pleno vapor e os planos também.
Propus a ele, rever fatos que juntos passamos nestes últimos dois anos, em especial neste ultimo, que ainda estão mais presentes na nossa memória. Foram dias de alegrias intercalados por alguma angustia. Nossos encontros serviam de amortecedor e anteparo, para os solavancos desta estrada, sinuosa e com muitos percalços.
Relembramos os primeiros dias da suspeita, da recomendação da biopsia e do tiro fatal do diagnóstico. A confirmação do câncer.
A partir daí, a historia não precisa se recontada, nem relembrada. Tivemos bons momentos entre nossos exercícios e bate-papos. Muitos de extremo gosto e humor, outros de suporte e conforto, de amigo para amigo.
Tenho testemunhado a força e a fé com a luta para vencer suas batalhas diárias. Nem sempre bem sucedido no primeiro momento, mas logo em seguida, recupera-se e segue em frente. Cair e levantar. Buscar forças em Deus. Ele me agradece e diz que sou generoso em minhas palavras.
Um fato ele fez questão de relembrar, foi o encontro com meu filho, na Academia. Do olhar de espanto dele, quando o apresentei como o amigo, pelo qual rezávamos em família, todas as noites . Rezamos por muitos amigos doentes, alguns em grandes dificuldades de saúde. Quando ele ouviu o nome, arregalou os olhos e deve ter pensado, este não precisava das suas orações!!
Meu amigo disse saber que, muitos rezam pela sua saúde. Pessoas sem muita afinidade e também pessoas próximas. Reconhece no entanto, as suas próprias orações não têm a intensidade e a fé necessárias, para promover a cura. Nisso lhe ajudava muito os períodos passados no CAPC, no Ribeirão da Ilha. Era como estar no céu , aqui na terra.
Nos dias atuais, meu amigo passava por um período de trégua na medicação (quimioterapia). A avaliação do comportamento do tumor, nos próximos meses, determinaria a estratégia a se adotada. Como era assintomático, ao menos teria um fim de ano, sem as complicações e efeitos colaterais da medicação.
Meu amigo fez menção também da iniciativa de fazer um curso de Escrita Criativa. Sua opção para canalizar na escrita suas tensões , emoções e criatividade parecem ter dado certo. Ele está muito motivado e conta dos escritores famosos que tem se apresentado no curso e como obtiveram sucesso: Trabalho. Trabalho e Trabalho. Nada vem pronto. Isto de certo modo confirma o que diz o escritor Haruki. “Há que se ter certo talento, mas concentração e perseverança é a chave para a grande maioria dos mortais que se dedicam a escrever e conseguir algum sucesso.”
Entediado e baixo astral, se junta à falta de inspiração, e ai o texto não flui. Os pensamentos ficam repetitivos, e a seleção torna-se cansativa. Por isso persistência e concentração. Saber do tempo dedicado a escrever tem que ser bem aproveitado e eficientemente produtivo.
Pinçar detalhes e fatos ao nosso redor. Ouvir opiniões e revisar os últimos dias, nos ajuda a moldar, de forma organizada os pensamentos e colocar no papel aquilo, para nosso leitor mergulhar e sentir. Sentir empatia com o texto.
Meu amigo alega nestes dias de fim de ano, com tanta agitação e reboliço, tem tido dificuldades, para colocar nos textos, com exatidão o que muitas vezes se passa na sua cabeça e reproduzir nossas conversas. Possivelmente um mecanismo de freio e preservação esteja sendo ativado, inconscientemente e ele sinta-se invadido, no seu interior. Sempre temos coisas só nossas, pequenas dores que não nos queixamos e desagrados da alma que não confessamos. Os seres humanos são complexos, independente da idade, da saúde ou nível social. Nem por isso desiste. Continua a buscar palavras adequadas e frases que correspondam ao seu íntimo e que façam sentido para os leitores. Não quer transformar seus escritos numa via sacra de sacrifícios e peripécias, num relato de prontuário médico, onde pode-se ler as melhoras e quedas da qualidade do tratamento. 

JT Brum 2019

 


segunda-feira, janeiro 14, 2019




19° Encontro : Mutações. 

Nos encontramos hoje cedo na Academia. Estávamos ávidos pelos exercícios e pelas novidades. Meu amigo entusiasmado com as noticiais e informações do médico Oncologista.
Seu PSA chegou a 13 e com isto a estratégia a ser adotada será da suspensão das quimioterapias, para ir avaliando novamente o comportamento do tumor e a remessa de metástases no organismo, em especial para os ossos, no caso de próstata. Há uma relação de tempo decorrido e a velocidade de crescimento do PSA. Mensalmente faria exames para avaliar, bem como dos demais marcadores.
Ele sabia que a situação era de apreensão , mas convivia com isto , com certo otimismo e esperança.
Falamos sobre amigos e pessoas conhecidas. É assustador o número de pessoas vitimas de doenças novas a cada dia. Possivelmente por que nosso circulo de amizades e referencias sejam pessoas com mais de sessenta anos. Nesta faixa, o Alzheimer, Parkinson, depressão, câncer de estomago, de pele etc.
Já nas camadas mais jovens, infelizmente outras mazelas ocorrem, como a depressão, as drogas, e por vezes algum tipo de câncer fulminante, como no caso, os de mama e melanomas.
Graças aos diagnósticos precoces, estas doenças têm sido identificadas e tratadas com sucesso, na maioria dos casos.
Meu amigo me alertou para um aspecto que tem orientado sua vida e seus contatos. Quando lhe perguntam como vai, responde que está ótimo. Não fala da doença, nem “curte” uma situação de vítima, nem se lamenta ou se queixa. Só os mais próximos sabem do andar do seu tratamento. Ainda mais agora que parou com as quimios e esta passando os efeitos colaterais deste tratamento . Perde a cor amarelada e os cabelos voltam. Até então, esta escrito na testa  “Em tratamento oncológico”.
Um amigo da academia veio nos falar do conto que tinha lido. Disse que isto , o fez lembrar sua infância em Pelotas e as dificuldades da época , para ter o uniforme completo, em ordem no dia do desfiles. Até sapato marrom , ele pintou de preto, para poder desfilar.
Voltamos a comentar sobre as pesquisas e tratamentos do câncer e as dificuldades dos médicos, embora diagnosticada a doença, em acertar as medicações, dosagens e prescrições a seus pacientes. Os estudos têm mostrado , as mutações dos tumores, ao longo dos anos. A avaliação de DNA de um tumor realizado há três anos, considera-se obsoleto, tais as alterações que sofre.

Como cada paciente tem características próprias e que muda ao longo dos anos .É impossível ter dois iguais, como as digitais individuais.. Com isto, só por tentativa , erro e protocolos catalogados, são possíveis os tratamentos. Por isso, as melhoras e regressões dos pacientes são tão frequentes. O próprio organismo e os tumores, criam resistências às drogas, protegendo-se e buscando formas de escapar do extermínio.
Nisso está uma das vantagens do diagnostico precoce, quando as células tumorais ainda estão suscetíveis ainda aos tratamentos convencionais.
Mas a principal mutação do ser humano está no seu interior. Na forma como ele vê a doença, com se relaciona com ela, como encara seu dia a dia. Aqui já comentamos muitas vezes sofre as fases de negação, contestação, revolta, e aceitação. Este processo continua ao longo dos anos, dependendo da fase do tratamento e dos resultados destes, em relação à doença. Esta deve ser a principal mutação por que passa o paciente, embora não seja detectável nos exames.
Paramos de falar de doença e passamos a falar dos  colegas que se preparam para a Maratona de Porto Alegre. Alguns vão correr pela primeira vez. Outros já calejados, conhecedores do percurso e das peculiaridades , para enfrentar o frio da manhã e o calorão a partir das dez horas. Será no próximo fim de semana.

JTBrum 2019


segunda-feira, janeiro 07, 2019



18º Encontro : E quando falta a espiritualidade ?

Os ventos favoráveis impulsionavam o barco de esperanças de meu amigo. Nesta semana estava quase eufórico. Seus exames demonstravam isso. O PSA tinha caído para 13. Não estava totalmente eufórico, porque tinha consciência que os números não são absolutos e às vezes, tem embutido questões que o laboratório não capta. Seu estado geral era muito bom em todos os demais marcadores.
Com isto, iniciamos mais uma semana de exercícios na Academia. Aproximava-se a Maratona de Porto Alegre e muitos colegas iriam participar. Alguns na Meia Maratona, outros nos 10km. Meu amigo ficava se lamentando. Há dois anos, tinha corrido a Meia Maratona , com um tempo excelente para sua idade (68anos): 1h 58min , nos 21.150 m. Ele me contou não havia corrido tal distancia. Fazia normalmente 10km nas competições. Nesta, ele correu como nas habituais. Correu os primeiros 10km e depois o resto era lucro. Quando viu a marcação de 15km deu-se conta que só faltava 5km e apertou o passo. Assim foi indo para o final :21.150m. Seus filhos o aguardavam na linha de chegada, para felicitá-lo.
Agora, isto era coisa do passado e não sabia se um dia voltaria a correr. Seu desejo e impulso não diminuíam, mas suas pernas, desgastadas pelas quimioterapias não lhe davam condição. A musculação na academia ajudava , mas o pulmão parecia ter que bombear oxigênio , num ambiente de ar rarefeito. Não supria suas necessidades.
Uma senhora amiga da Academia, cujo marido enfrentava também um câncer no estômago, veio lhe perguntar sobre suas visitas a Florianópolis, no Ribeirão da Ilha e como isso poderia ajudar seu marido. Alegava no entanto, ele não tinha nenhuma espiritualidade.
Percebi meu amigo ficou sem palavras . Depois se dirigindo a ela perguntou :
— Em que ele acredita? Seu desejo de cura vem de onde? Ele tem que encontrar dentro dele, uma pequena chama, uma esperança para cultivar. O desejo de viver deve vir acompanhado de fé nos medicamentos, nos médicos e depois no sobrenatural. Não se vende espiritualidade em farmácias. Quando se vai ao fundo do poço, para emergir, só se sobrevive se acreditarmos em algo mais.
Ela agradeceu e saiu cabisbaixa. Não comentamos mais sobre o assunto. Meu amigo tinha posições muito claras sobre isso . Ele foi feliz na resposta, induzindo ela a ajudar o marido, na buscar por respostas dentro dele.
Lembrei-me do conto incompleto que ficou para trás, semana passada. E cobrei. Ele prontamente foi a sua mochila e voltou com uma folha impressa:

O uniforme era o disfarce.

Francisco acordou neste dia antes que sua mãe o chamasse. A expectativa de participar pela primeira vez do desfile de Sete de Setembro fazia seu coração bater mais rápido. Correu os olhos em cima da cama para confirmar, seu uniforme estava ali. Viu a camisa branca, as meias e a calça azul marinho. E os sapatos? Eles tinham ido comprar num local chamado bric-brac.
 -Mãe! E os sapatos? A mãe correu para a cozinha. Deu-se conta da tragédia. Colocou para secar no forno do fogão de lenha. Ficou ali.
Mãe solteira e empregada doméstica colocava todos seus ganhos para manter Francisco numa escola de irmãos lassalistas e sonhava vê-lo formado. O uniforme era o disfarce necessário para proteger o menino de qualquer discriminação.
Na cidade os jovens vivenciavam estes dias como se fossem os únicos a desfrutar deste momento. Havia uma disputa entre as escolas, pela melhor apresentação nos desfiles. A preparação começava ainda em agosto. Ainda fazia muito frio e os ensaios eram organizados pela manhã. O alinhamento, o passo certo, a cabeça erguida, eram requisitos para ter uma marcha de grupo, como um pelotão militar, perfilados e sem correções.
Para Francisco, todo o dia ensaiava com sua turma, o dia chegou. O sapato retorcido pelo calor não permitia que seu pé se acomodasse no calçado, por mais que tentasse. Francisco começou a chorar. A mãe buscava alternativa. Outro sapato?. Mesmo com dinheiro, onde comprar naquela hora? Tinha que pensar e rápido.
Nos desfiles, a banda era o centro das atenções. Treinavam todos os dias secretamente, para impedir seus acordes pudessem ser copiados pelas demais escolas. O maestro rege banda, com sua batuta, ditando o ritmo dos bumbos, tarolas, pratos e clarins. Ele chamava para si a atenção e concentrava todos os olhares e ouvidos. Cada membro sabia seu papel, quando devia entrar e qual sua participação nesta partitura. Mas a cereja do bolo era a baliza. Uma aluna era a escolhida para ir à frente da banda fazendo coreografias.
Num uniforme com jaqueta de veludo bordada, meias brancas longas, cobriam as pernas e um short curto da cor da jaqueta.  Luvas, chapéu e com um bastão, levado na mão direita, completavam a indumentária. Como uma rainha de bateria ela ditava o ritmo da banda. O charme, a concentração e a ginga marcavam sua apresentação. Era um show à parte.
As autoridades, postadas no Altar da Pátria, viam passar as escolas e bandas, as quais eram aplaudidas e faziam continência ao cruzar em frente a elas. E ali vinha Francisco, com o peito estufado, uniforme completo, no mesmo ritmo dos demais. Nem sentia os pés. Apenas uma umidade neles. A mãe, orgulhosa, sabia que estava no caminho certo.
 No momento de hastear a bandeira, todos cantavam o Hino Nacional. Nas calçadas lotadas podia se ouvir o rufar dos tambores e os gritos de mães e parentes, entusiasmados com a apresentação das crianças e jovens.
 Quando terminou, Francisco procurou sua mãe no meio da multidão. Bastou um aceno. Seu olhar brilhou. Como uma centelha, ele lançou-se aos seus braços. Então, ela o abraçou e abaixando-se, retirou seus sapatos. As meias estavam vermelhas de sangue. O corte cirúrgico que ela fez nos sapatos, retirando o contraforte com uma faca afiada e embebendo com álcool, para o couro dar de si, não impediram os ferimentos. Os pés estavam lanhados. Mesmo assim, o desfile tinha um gosto especial para os dois. Ninguém tinha percebido. O uniforme era realmente um disfarce perfeito.
— Mas bah tchê !! Falei com voz entusiasmada. Você está melhor que a encomenda! De onde tira essas ideias ? Nas madrugadas em vez de dormir, ficas criando “causos” ? Rimos muito e pedi para ficar com o conto impresso.
Nossos encontros começam ou terminam de forma surpreendente. Isto dá sabor aos nossos dias e abre perspectivas para nossa amizade, sempre crescente.

JTBrum 2019