quarta-feira, agosto 07, 2019



31º Encontro : Distâncias e memórias 

Depois de um intervalo maior que imaginava, voltei a encontrar meu amigo no estacionamento da Academia. Mais magro e um pouco pálido, mas sempre sorridente. Nos abraçamos e começamos um papo acelerado, para matar a saudade. Revisamos os últimos tempos. Eu contando as viagens à Austrália, para visitar minha filha. Ele contando das suas peripécias e tratamentos. Agora parecia bem, tinha voltado a caminhar e se alimentar melhor. Tinha até uma fisioterapeuta para retomar a forma.
Entre as tantas atualizações, contou-me do tratamento em Montevidéu, com um radiofarmaco, chamado Lutécio, injetado na veia, tem o poder de destruir as metástases ósseas. Neste período de tratamentos, teve altos e baixos, mas não baixou seu PSA. Conseqüência : Passaram-se alguns meses , para ter a comprovação de que no seu caso não funcionara. Foi obrigado a desistir.
Nas noites de dores e insônia, nesta semana, diz ter levantado para ir ao banheiro e um pensamento de satisfação acudiu-lhe. Veio com um vídeo, num relance e ele viu-se com dez anos, calças curtas, chinelinho, ajudando seu pai numa mangueira na fazenda.
Muita poeira no ar.Um burburinho.O grito dos peões. O relincho dos cavalos, o estalar dos relhos e o gado mugindo, tentando escapar. Apertado nos cantos da mangueira, os peões laçavam e depois maneavam arrastando até próximo do fogo de chão . Seriam castrados e aplicado o ferro quente da marca.  Aquilo para ele, tinha um sabor de aventura e os olhos pretos, vivos , brilhavam a cada lance. O bezerro laçado pelos chifres e com outro laço nas patas trazeiras , era estendido no chão, pelos peões, de modo não pudesse se movimentar. Ai vinha meu pai, com o bisturi em mão, apoiando o joelho no lombo do animal, apalpava , buscando os testículos. Segurava um e pressionava contra a parede do saco escrotal, fazendo uma pequena incisão, de modo a permitir que o testículo viesse para fora. Tudo muito rápido.Como era médico manuseava o bisturi com destreza. Segurando o testículo, recoberto por uma fina membrana de tecido, era retirada, de forma a ficar aparente. Ai sim era cortado na sua ligação , dois dedos abaixo. Jogado numa bacia , que ele, o menino aprendiz atentamente carregava.Passavam um ungüento no saco , logo depois da marca o bicho era solto. 
E logo vinha com outro berrando e estirado. O processo se repetia. Sempre atento a todos os detalhes , mas não previa que num desses casos, a pata do boi, escapasse do laço e viesse na sua direção. Ergueu a bacia e saltaram testículos e sangue para todo lado inclusive na sua cara. Sua defesa foi intuitiva. Seu pai o socorreu e sentiu-se muito feliz e orgulhoso. Foram poucas vezes na vida, que sentiu está proteção paterna. Esta cumplicidade paterna calou fundo e gerou uma afeição pelo gesto.Foi valente, sem temer o perigo. Como era o primogênito, deveria ser capaz das lidas de campo e dos trabalhos na mangueira. Assim se talhavam os meninos da época.
Depois de me contar isso, pude sentir pelo seu entusiasmo , como estas memórias lhe faziam bem. Pude também constatar que nossa distância, embora dilatada nestes últimos tempos, em nada mudou nossa interação e a facilidade que temos em nos comunicar. Verdadeiros amigos, embora distantes e por mais tempo que fiquem afastados, a essência do seu relacionamento e afinidade, permanecem inalteradas.
Despedimos-nos depois de uma boa conversa, certos de Deus nos reserva bons momentos e oportunidades para ser felizes . Nosso intento é aproveitar ao máximo esta dádiva.

JTBrum 2019                                                     

 

 

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