20° Encontro: Pelo
retrovisor
Estamos quase no fim de ano.
Época de arrumações, planos de férias, balanço do que se passou. Eu e meu amigo
não somos diferentes e nossa atividade na Academia continuava a pleno vapor e
os planos também.
Propus a ele, rever fatos que
juntos passamos nestes últimos dois anos, em especial neste ultimo, que ainda
estão mais presentes na nossa memória. Foram dias de alegrias intercalados por
alguma angustia. Nossos encontros serviam de amortecedor e anteparo, para os
solavancos desta estrada, sinuosa e com muitos percalços.
Relembramos os primeiros dias da
suspeita, da recomendação da biopsia e do tiro fatal do diagnóstico. A
confirmação do câncer.
A partir daí, a historia não
precisa se recontada, nem relembrada. Tivemos bons momentos entre nossos
exercícios e bate-papos. Muitos de extremo gosto e humor, outros de suporte e
conforto, de amigo para amigo.
Tenho testemunhado a força e a fé
com a luta para vencer suas batalhas diárias. Nem sempre bem sucedido no
primeiro momento, mas logo em seguida, recupera-se e segue em frente. Cair e
levantar. Buscar forças em Deus. Ele me agradece e diz que sou generoso em
minhas palavras.
Um fato ele fez questão de
relembrar, foi o encontro com meu filho, na Academia. Do olhar de espanto dele,
quando o apresentei como o amigo, pelo qual rezávamos em família, todas as
noites . Rezamos por muitos amigos doentes, alguns em grandes dificuldades de
saúde. Quando ele ouviu o nome, arregalou os olhos e deve ter pensado, este não
precisava das suas orações!!
Meu amigo disse saber que, muitos
rezam pela sua saúde. Pessoas sem muita afinidade e também pessoas próximas.
Reconhece no entanto, as suas próprias orações não têm a intensidade e a fé
necessárias, para promover a cura. Nisso lhe ajudava muito os períodos passados
no CAPC, no Ribeirão da Ilha. Era como estar no céu , aqui na terra.
Nos dias atuais, meu amigo
passava por um período de trégua na medicação (quimioterapia). A avaliação do
comportamento do tumor, nos próximos meses, determinaria a estratégia a se
adotada. Como era assintomático, ao menos teria um fim de ano, sem as
complicações e efeitos colaterais da medicação.
Meu amigo fez menção também da
iniciativa de fazer um curso de Escrita Criativa. Sua opção para canalizar na
escrita suas tensões , emoções e criatividade parecem ter dado certo. Ele está
muito motivado e conta dos escritores famosos que tem se apresentado no curso e
como obtiveram sucesso: Trabalho. Trabalho e Trabalho. Nada vem pronto. Isto de
certo modo confirma o que diz o escritor Haruki. “Há que se ter certo talento,
mas concentração e perseverança é a chave para a grande maioria dos mortais que
se dedicam a escrever e conseguir algum sucesso.”
Entediado e baixo astral, se
junta à falta de inspiração, e ai o texto não flui. Os pensamentos ficam
repetitivos, e a seleção torna-se cansativa. Por isso persistência e
concentração. Saber do tempo dedicado a escrever tem que ser bem aproveitado e
eficientemente produtivo.
Pinçar detalhes e fatos ao nosso
redor. Ouvir opiniões e revisar os últimos dias, nos ajuda a moldar, de forma
organizada os pensamentos e colocar no papel aquilo, para nosso leitor mergulhar
e sentir. Sentir empatia com o texto.
Meu amigo alega nestes dias de
fim de ano, com tanta agitação e reboliço, tem tido dificuldades, para colocar
nos textos, com exatidão o que muitas vezes se passa na sua cabeça e reproduzir
nossas conversas. Possivelmente um mecanismo de freio e preservação esteja
sendo ativado, inconscientemente e ele sinta-se invadido, no seu interior.
Sempre temos coisas só nossas, pequenas dores que não nos queixamos e
desagrados da alma que não confessamos. Os seres humanos são complexos,
independente da idade, da saúde ou nível social. Nem por isso desiste. Continua
a buscar palavras adequadas e frases que correspondam ao seu íntimo e que façam
sentido para os leitores. Não quer transformar seus escritos numa via sacra de
sacrifícios e peripécias, num relato de prontuário médico, onde pode-se ler as
melhoras e quedas da qualidade do tratamento.
JT Brum 2019
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